27.3.17

descobrimento das coisas banais

descobri que tuas mãos tremiam pois nelas haviam fios atados, transparentes, segurando marionetes de gente. teu tremor era uma dança dos meus pés cansados. agora eu entendo, posso dizer.
agora eu enxergo. agora eu sou livre.

cruzei os dedos numa promessa e numa tesoura que cortava qualquer verdade do que eu disse antes; nada é garantia de nada, promessas são compromissos procrastinatórios, palavras vencidas no próprio hálito da boca.

tuas mãos e as minhas, tão necessárias. 

do dia

Nada fornece qualquer garantia a ninguém. Existimos em suspensão. Há muitas maneira de respirar e deixar de respirar. Temos os nossos ritmos. É preciso viver e morrer com eles.

24.3.17

a carne dos dias

As horas não estão como estão para mim.
O tempo são cédulas vencidas. Quando se descobre o porquê, troca-se a pergunta e a moeda local. 
O que motiva esse mercador a sair todos os dias e lustrar meus ossos,
Varrer minhas veias
Não é pela renda que lhe pesa os bolsos dos olhos ao final do dia
Mas pela inadiável redenção de todas as coisas
À sua vassoura palpitante.

23.3.17

trêmulo caule

Espiar a vida por uma janela; já estar nela.
Aquela dor que há tempos agia; hemorragia.
Eu não procuro mais entender o quanto de mim se deve ao esquecimento, às invasões transgressoras: apenas me ajude a atravessar essa noite.
Sou um andaime suspenso por dois pássaros cansados; andai-me longe, andai-me dentro, nunca param teus pés em minha memória.
Quando sinto medo, é no tremor das tuas mãos que penso. Tudo treme, meu amor. As árvores, todas elas, beijaram a terra não importa o quão distantes sejam suas copas. Penso no dia em que beijarei para sempre um algo, e esse será de que?

20.3.17

O amor nunca é amor quando é novo, puro e limpo,
De dentes brancos arredondados
Antes dos olhos vermelhos
Os pulsos roxos
Sorrisos reféns

O amor antes da tempestade é uma lei, obrigação ilusória que pega pela mão e atravessa
E tudo o que durar depois da mordida e do sopro e destruição íntima,
Intestinos rasgados
Juntas inchadas
Desespero, desespero,
Depois das coisas que você jurou que nunca faria -
E somente após -
Essa, minha rainha, é a escolha que merece a coroa
E tudo antes é o comprimido para dormir antes da cirurgia,

Nunca flores na sala de recuperação.

O amor nunca é amor quando é novo, puro e limpo,
De dentes brancos arredondados
Antes dos olhos vermelhos
Os pulsos roxos
Sorrisos reféns

O amor antes da tempestade é uma lei, obrigação ilusória que pega pela mão e atravessa
E tudo o que durar depois da mordida e do sopro e destruição íntima,
Intestinos rasgados
Juntas inchadas
Desespero, desespero,
Depois das coisas que você jurou que nunca faria -
E somente após -
Essa, minha rainha, é a escolha que merece a coroa
E tudo antes é o comprimido para dormir antes da cirurgia,

Nunca flores na sala de recuperação.

conheço profissões que nunca me ocorreram pela cabeça:
designer de transportes?

as coisas simplesmente não são.

as coisas poderiam simplesmente ser, mas não são.
são tantas as intrigantes funções que meu corpo religiosamente exerce a cada instante, inclusive os instantes ocos automáticos - respirar enquanto durmo, transpirar enquanto estou tentando - 

tempo

tempo, meu caro - e assim te chamo pois me custas muito, não por afeto - o quanto te devo em dias debaixo desse sol que tanto já viu nascer e perecer, sou apenas mais um grão na tua ampulheta, mais uma alma de muletas que se escora nos teus ponteiros e te estende um tapete pedindo, por favor, passe logo.

um terço de mim é você, pois as outras duas partes já passaram ou estão por vir, e juntos, nos três, somos esse ponto no meio do destino que se cruza cada dia em uma esquina diferente, olhando a mesma sombra que se dobra e alonga conforme os astros nos regem. tempo faminto, viúvo, órfão, mãe de chocadeira.

18.3.17

engenho de dentro

As entrelinhas
como convencer o tempo de que já passou?
inumeráveis palavras criadas para descrever, categorizar, contar o que o perecível tem a dizer, contar a história de tudo já existiu debaixo do sol,
fazê-lo entender que é ele o dado desse jogo, e que nem eu, nem ele, temos controle algum sobre o que virá
pois as mãos são sempre ásperas e as apostas altas

7.3.17

Admirável sombra, cumprida em seu eixo que gira conforme o sol adentra o horizonte, sem deixar um traço no chão, nem uma cicatriz na calçada para que lembre o local exato onde pousou. Depois de amanhã, novamente. Interrompida pela passagem dos faróis brancos que chegam e vermelhos, que partem.

A história aqui é outra, a história é sobre o que não estava ali todos os dias. Sobre o cão irracional que pisou no cimento molhado e deixou para trás um adeus na calçada.

A história aqui é sobre o vento que desfez teu penteado quando querias apenas se sentir segura.

6.3.17

LUIZA


Cambaleando passa ao meu lado com olhos de águia

As expressões são as mesmas porém os copos são diferentes

E essa alegria? Você se olhou no espelho hoje? Era você mesmo ou era só uma máscara grudada na sua cara? Você sentiu que era o outro? Você sabe quem é o outro? Há quanto tempo vive nesse silêncio confuso que somente te traz uma paz mentirosa nessa vida com cheiro de ralo? Fede. Socorro, eu não sei quem eu sou. Os sorrisos ralam nos seus rostos de porcelana.

Bruno

o  sono rançoso preso entre os dentes
o cardume ansioso de pássaros 
que mergulharam no céu de Bruno
e dormiram no ninho de conchas 
pérolas das tuas dores

se está preto é porque te vi de perto
e me reconheci 
nos teus dedos de todas as cores 
presos ao papel
por esse arame farpado que nos talha o peito.

bloodbuzz

i never thought about love when i thought about home

2.3.17

you think flying is hard?

try landing

desague

há sempre uma artéria que corre pro mar
e outra pra memória 

zona de trégua #3

viver é bombardear os pulmões de ar, inevitavelmente 

zona de trégua #2

inquietude de fios de sangue entre as unhas

zona de trégua #1

mapa perdido,
acorda a cárie, acorda a artrite
a solidão é um rosto gigante que chantageia meu sono

1.3.17

às vezes me invade o estranho

estou cansada da minha pele, do meu reflexo, de minhas pupilas grandes e escuras,
abrem e fecham conforme a luz,
mas nada muda no que vejo