comprometer-se ao amor é comparecer aos cem funerais da pessoa que amamos
daquela que não se é mais
da quem se está muito cansado para ser
da que jamais vestiu a roupa que você criou sobre o que ela seria
recolher a pele derramada e alimentar os ossos
para que cresça o encontro de quem está perdido com quem tão desesperadamente gostaríamos que encontrasse
por um instante, a faísca mostra um olho
e damos graças ao escuro por acolher o medo de quem ainda não encontrou sua forma definitiva,
aceitando o próximo instante e sua transfiguração
(estourar uma espinha no espelho, limpar a mão na barra da camiseta e retornar para cama,
cochichando ao travesseiro que amanhã se acordará mais uma possibilidade)
e também, sobre falar dentro da cabeça com tons baixos, falar manso para o golpe
escutar a ponta da faca
reler a cicatriz em outra língua, olhar a pele como quem lê um poema
um poema que viaja costurando cada instante em uma história