11.3.10

ossos do ofício

se me perguntassem "o que é que você viu em todas essas pessoas com quem se relacionou na vida?" eu responderia
"loucura, ué, todas elas tinham inquietudes na alma que correspondiam com meu espelho!"

porque de alguma forma eu sempre me identifiquei com as pessoas que pediam salvação, para mim foi sempre tão óbvio reconhecer nos sorrisos um pedido de ajuda, sempre tão natural sentir-me atraída por aquilo.
tão natural quanto apaixonar-se.

e apaixonava-me como um anjo pelo pecado, para tentar ama-lo e converte-lo em vida útil, em coisa saudável,
em amor.

meu coração sempre partiu quentinho observando aqueles passarinhos batendo asas de si, sem saberem o que eu sabia, mas sabendo que havia algo a mais a ser sabido, que a vida não passava de batidas de asas em vão.
e pousavam em mim sentindo o cheiro do saber, pois eu conhecia algo que elas não, e reconhecia nelas sempre uma busca desenfreada pelo que eu conhecia, e conhecendo o que eu conhecia, sabia duas coisas;
uma altruísta, solidária, caridosa, sabia que não podia jamais negar aquele conhecimento a quem quer que batesse na minha porta mendigando-o (não me pergunte como, era regra de ouro que veio de lá) 
uma egoísta, narciso-busca-espelho, sabia que para mim não adiantava saber o que eu sabia, não bastava conhecer sozinha, era necessário compartilhar e ensinar para que o conhecido em mim tornasse-se desconhecido aos dois,
amor.


acho que era nisso que eu era boa;
reconhecia os beira-vida, os secos-sedentos, os vagantes-vazios,
colocava-os de volta nos trilhos e
observava o bater de asas molhadas,
fechava os olhos e quando abria
haviam partido
mil vezes mais leves,
mil vezes mais doces,
desabrochando todas as flores por onde passavam.

e hoje,
sem saber se o que sei é mais sabível,
roo os ossos solitários,
singulares,
de um ofício que desempregou-me.

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