17.11.09

Pombo correio

É triste me ver escrevendo. É triste quando me lêem e gostam. É triste para mim, claro. Discordo de que me acha inteligente, de quem me diz “Olha aí, você tem um dom!”. Isso não é um dom, isso é uma sina. Traduzir a tristeza para milhões, do mundo dos sentimentos para a frieza das palavras, sem deixar que as lágrimas molhem o papel, sem se deixar molhar por elas, sem perder nada e nem sair perdendo-se, é difícil. Dói lá dentro onde as palavras não curam, onde a caneta não chega. Admiro quem se traduz para a arte.
Mas, discordo também de quem vê nisso algum mérito, algum ato heróico. Não se iludam, quem o faz, faz por sobrevivência. Deus errou no recheio e acabamos com alma demais. Acabamos transbordando pela caneta, manchando folhas em branco com o que seria nós, se pudéssemos ser além. Eu não escrevo, eu cuspo, espirro. Eu defeco, eu amamento, eu beijo. Mas não, eu não escrevo. Escrever é para quem sabe brincar de palavras, é para os que carregam Aurélios na cabeça. Eu, que não sei nem o que quer dizer “síncope”, que vivo pedindo definições, eu não sei escrever. Não me condecore com títulos de nobreza quando sou apenas a tradutora, Caronte fazendo a travessia das almas, Xavier psicografando, pois afinal, de onde vem tantas palavras? Olha, não me leve a mal, não é modéstia, é um peso que tiro de mim, pois me olham como se eu fosse a mensagem quando sou apenas o pombo.
Uma vez escrito, bato asas à próxima imaginação.

Um comentário:

Leonardo Xavier disse...

Em geral, os grandes escritores são sempre almas atormentadas... Eu acho que são nossos conflitos que nos fazem refletir e pensar...