16.6.10

brad pitt

hoje eu to sem graça na vida real.

pensei num título duas vezes

penso, e penso bastante, pratico tanto o pensar quanto o respirar, pensando mil coisas por inspiração, desistindo milhares por expiração, penso, piro, paro, ação castradora de toda minha espontaneidade. natural é ser ignorante.

penso, logo desisto.

lerebi

me convém querer tudo, porque na falta de realização fico sempre com um pouco mais de nada. ando sempre três metros além de onde quero chegar, porque caso a preguiça bata, a correnteza pode me arrastar alguns metro para trás e eu terei todo tempo do mundo para flutuar na leveza do acaso. esses passos naturais de quem se deixou levar elevam aos lugares que a rotina jamais chegaria.

deixa ser.

3x no cartão

o que eu quero tem nome? existe? respira? ou ainda ta pra ser criado, com toda a mágica das roupas guardadas que nunca usamos esperando a ocasião especial que nunca chega? porque quando chega nunca e sempre são o que deveriam, e nunca bastam e sempre faltam mais do que alimentam. o preenchimento seguido de um vazio.

mais os juros.

junk-soul

ultimamente não me reconheço, e reconheço agora que já faz um certo tempo além de ultimamente.
coisas que engoli calada e digeri às forças, incorporando cada silêncio cheio como um tijolo a mais nessa parede invisível que instalou-se ao redor de mim, estendendo mãos aleatoriamente para quem grita de lá, assistindo de dentro ao transbordar pesado das coisas que ficaram presas comigo. a vontade bate no peito e volta, a realidade bate no muro "toc toc, tem gente?" não.
não me encontro mais em nenhuma das coisas que um dia despertaram sentimentos irreconhecíveis; minha máquina está parada há meses, os livros empoeirados e enfileirados, os filmes sem final at all e o papel sempre em branco, ainda que cheio de supostos traços meus, em branco;
as fotografias reveladas em branco, as linhas lidas deram branco, os filmes de telas brancas, todo esse branco e nenhuma paz. me afogo no leite denso de sensações que beiraram-me, e quem não sou boia no que quero ser, quem sou flutua com força dentro do sufoco, divisão de águas erradas que mergulharam em si.

bate no muro e volta, bate no vulto e mora.

mentira

fino véu de plástico transparente;
fisicamente inofensivo, emocionalmente muralha da china.

to com saudade de mim; não é vazio, é uma menina que foi dormir fora de casa e deixou um recado na mesa dizendo,


"saudade,
, volto logo"

reflexo


to na porta de casa, baqueteando com os dedos uma música cansada de ser trilha sonora de uma vida sem música, longa espera;
na janela dos olhos pisca uma estrela lá longe e reflete uma luz estrangeira; hoje as estrelas não falam minha língua, sinalizam; conto meus sinais até que formem uma constelação no corpo; sinto-me em casa sozinha; uma vez me disseram que morrer é não ser visto, vejo; no espelho todos os sinais de todas as estrelas e a luz que vem de fora; escuro preto como a morte.
to na porta do corpo, na porta da porta, na janela da janela, na luz da luz dos olhos dela.

12.6.10

do baú dos sonhos



tinha dado por perdido, mas acho que hoje é o dia ideal para ser surpeendido, não é?

10.6.10

cactus e hormônios

o ser humano é egoísta, medroso. sendo então movido pelo medo onipresente da solidão, ele vai em busca de um amor para ama-lo de volta;
alguém que o deixe naturalmente a vontade para ser o que é, alguém que esquente seu coração nos momentos de saudade, que transforme a ausência em mágica espera; é isso mesmo, a gente ama para preencher.
claro, vai muito além disso, muito além de qualquer coisa que eu possa explicar com palavras, se fosse apenas passatempo eu amaria até meu cactus, porque ele me ocupa, ele me obriga a agua-lo de 15 em 15 dias e verificar se o sol está bom. vai muito além de qualquer coisa que uma frase de efeito possa descrever, ou a medicina com todos os seus hormônios venha a explicar; eu acho que o amor é uma manifestação divina, um evento sobrenatural, além.
e eu te amo da forma mais pura, da forma mais sincera, sem pedir nada em troca, porque ainda que troquemos tantas coisas, meu coração é uma pedra de gelo incapaz de sentir teus carinhos, incapaz de derreter com teu quentinho, eu realmente estou dando sem receber, simplesmente porque eu morreria de fome pra que não te faltasse comida, eu te deixaria comer tudo de mim para morrer feliz e viver em você.

sempre admirei os amores não-correspondidos pela beleza do sofrimento escolhido, o amor puro e singular.

iazul

eu já fiz muita coisa errada na vida, errei tentando acertar, como todos, e algumas vezes errei pelo prazer da dor alheia, fiz o mal puro e simples.
já fui infiel com namoradas, desleal com amigos, já menti coisas absurdas, justifiquei muito meio pelo fim... não importa a qualidade das minhas péssimas ações, nem a intensidade, eu sempre paguei calada no final; já fiquei sem dormir simplesmente por não ter abraçado alguém com mais carinho sabendo que aquele abraço significaria muito para quem o recebeu. não sou santa, nunca mando ninguém a merda, é verdade; eu os levo pessoalmente.
mas sempre, sempre, acordo sem dormir de uma noite de travesseiro pesado, quando a consciência derruba o corpo. fazer o mal por acaso, como quando alguém tropeça sem querer no nosso pé, é aceitável, são coisas da vida, acontece. mas quando eu coloco o pé para alguém cair, quando eu antecipo a queda e fico lá sentada, apenas observando, eu não aceito, eu não durmo. posso citar o princípio da não-maleficência, posso dizer que a minha falta de ação já é uma ação em si, e que ninguém poderá tudo por todos, posso. mas eu não entendo.
repito, eu já fiz muita coisa errada na vida, errei tentando acertar, errei por prazer da dor alheia, errei a data de um aniversário importante, errei na hora de marcar o gabarito, errei na escolha de palavras, errei na ausência de carinho intencional, errei no julgamento, errei comigo e com os outros, sempre pagando com dias pesados de sono no final, porque se arrepender é uma forma de redenção, aprenda a lição e siga maior, e eu nunca reclamei dos preços impostos por mim mesma no final de todos os erros.
e agora eu não sei justificar essa coisa que nunca senti antes, que me impede de sentir tudo, porque eu não enxergo o erro, eu não entendo o que está acontecendo, só estou sendo sugada para dentro, sentindo minha conta emocional se esvaziando, os números vermelhos de dívidas piscando, e eu não consigo ver com os olhos que buraco enorme é esse que não fecha, que erro absurdo é esse que vale uma vida, a minha.

sentaram no meu peito, apertaram meu coração e disseram: tudo passa.

9.6.10

fim

tchau, vou escrever num caderno vermelho para sempre.

-- -- ---

passe uma tarde comigo e talvez verás meus olhos brilhando por coisa ou outra, entre outras coisas. enquanto te conto meus sonhos e todas as mágicas que inventei para sobreviver até aqui, a gente pode dividir uma xícara de chá ou um copo de cerveja, e talvez você se sinta a vontade para fazer meus olhos brilharem por uma ou outra coisa tua também. eu te darei muito de mim, sem dúvida te darei uma impressão diferente da primeira que havias, e partirás achando que sabes bastante a meu respeito. mas saberás coisa inútil, visto que sou sentida, sou coisa viva, uma dor de várias faces que por vezes sorri também. sou uma e levo várias vidas, todas marcadas pelo mesmo ferro, pelas dores que são, de certa forma, dores tão minhas, e eu tanto sou tais dores, que não há distinção entre coisa e outra, portanto só me conhecendo quem as sente, só as sentindo quem me conhece.

quando já não sinto mais nada, desconheço-me por completo.


o que fazer com as marcas?
porque a dor eu aguento, a dor eu choro, remedio, espero paciente. mas e as marcas antigas, as feridas velhas e secas que não fecham, como é que se faz quando a dor é crônica e o coração idoso? o que é que se faz quando já se fez de tudo e de nada adiantou, quando dos remédios só se teve os efeitos colaterais, das palavras só o áspero, como é que se faz quando o ar passa feito uma lixa nos pulmões e quando tudo por dentro está um caco? eu me sinto um fim de festa, uma âncora sem navio, apenas peso que ninguém tem mãos para segurar, escorro feito a água que me afunda, disparo incoerências e na confusão de remadas, distribuo murros e socos e ponta pés. eu não posso falar nada disso porque minha boca é um pequeno buraco de um dique cheio, e se eu abri-la pra te contar, vou derramar em você tudo que não quero. eu não posso dizer que quero solidão porque busco paz, pois a paz não está em mim. quando eu digo que quero ficar só, não é sua presença que incomoda; é a minha. eu quero solidão para engolir tudo, para chorar com calma, sem perturbar ninguém, pois ultimamente eu tenho sido demais e ainda tem muito. pedir paz é muito, eu só quero evitar as minhas guerras conhecidas e novas feridas velhas.

me sinto aquele sofá velho que vez ou outra avisto boiando no canal; já fui lugar de conforto para uma família.

seco



ao meu pequeno príncipe


A menininha para quem cuidadosamente reservei esse tempo livre nem se deu o trabalho de me avisar que não viria.


Menininha, foi com carinho que lhe dei esse poder. É com melancolia que a vejo usá-lo.


A espera, os passos leves. Depois as horas que correm frescas como um riacho em meio à relva sobre seixos brancos. Os sorrisos, as palavras sem importância que são tão importantes. Escutamos a música do coração: é linda, linda para quem sabe ouvir...


Não gosto da estação interior que substituiu minha primavera: uma mistura de decepção, de secura e de rancor. Mergulho num tempo vazio onde não tenho mais motivo para sonhar. O mais triste num sofrimento é se perguntar: "Vale a pena?"

Vale a pena todo esse sofrimento por quem nem mesmo pensa em avisar? Certamente não. Entao nem sofrimento se tem mais, e isto é ainda mais triste.

Não há Pequeno Príncipe hoje, nem haverá nunca mais. O Pequeno Príncipe morreu. Ou então tornou-se cético. Um Pequeno Príncipe cético não é mais um Pequeno Príncipe. Fiquei magoado com você por tê-lo destruído.

Também não haverá mais carta, nem telefonema, nem sinal. Não fui muito prudente, e não pensei que pouco aos pouco, com isso, arriscava um pouco de sofrimento. Mas eis que me feri na roseira ao colher uma rosa.

A roseirá dirá: "Que importância eu tinha para você?" Chupo meu dedo, que sangra um pouquinho, e respondo: "Nenhuma, roseira, nenhuma. Nada tem importância na vida. (Nem mesmo a vida.) Adeus roseira."

A.

eu também

brown eyes

às vezes eu me assusto com tudo que tu significa pra mim porque eu sei que se um dia tu for embora nada no mundo vai conseguir preencher esse espaço, e às vezes eu me assusto porque eu me pego pensando em tu e querendo me entregar todinha pra tu, e eu tenho medo de terminar vazia e sozinha. acho que isso é medo natural que todo mundo sente, mas eu tenho ainda mais medo pq quando eu to ctg eu não sinto esse medo, e eu me permito me abrir todinha, sem nenhuma defesa, porque tem algo que me diz "aqui não precisa disso". quando eu to ctg eu não meço as minhas palavras, eu não roo as minhas unhas, eu não faço nenhum esforço para ser quem sou, eu não quero estar em nenhum outro lugar com mais ngm. quando eu to ctg a gente pode ta em qualquer lugar, fazendo qualquer coisa, e eu me sinto completa porque o que eu gosto realmente quando to ctg é a liberdade natural que tu me da de simplesmente ser eu.

não me imagino existindo de nenhuma outra forma nem pra mais ngm, e acho que isso é a maior felicidade que alguém pode sentir, a maior fidelidade que alguém pode oferecer.


tu é meu livro preferido.

how my heart behaves

Meu coração é um ideograma desenhado a tinta lavável em papel de seda onde caiu uma gota d’água. Olhado assim, de cima, pode ser Wu Wang, a Inocência. Mas tão manchado que talvez seja Ming I, o Obscurecimento da Luz. Ou qualquer um, ou qualquer outro: indecifrável.



Meu coração não tem forma, apenas som. Um noturno de Chopin (será o número 5?) em que Jim Morrison colocou uma letra falando em morte, desejo e desamparo, gravado por uma banda punk. Couro negro, prego e piano.



Meu coração é um poço de mel, no centro de um jardim encantado, alimentando beija-flores que, depois de prová-lo, transformam-se magicamente em cavalos brancos alados que voam para longe, em direção à estrela Vega. Levam junto quem me ama, me levam junto também.




Meu coração é um bordel gótico em cujos quartos prostituem-se ninfetas decaídas, cafetões sensuais,deusas lésbicas, anões tarados, michês baratos, centauros gays e virgens loucas de todos os sexos.




Meu coração é um entardecer de verão, numa cidadezinha à beira-mar. A brisa sopra, saiu a primeira estrela. Há moças nas janelas, rapazes pela praça, tules violetas sobre os montes onde o sol se põe. A lua cheia brotou do mar. Os apaixonados suspiram. E se apaixonam ainda mais.




Meu coração é um filme noir projetado num cinema de quinta categoria. A platéia joga pipoca na tela e vaia a história cheia de clichês.




Meu coração é uma velha carpideira portuguesa, coberta de preto, cantando um fado lento e cheia de gemidos - Aí de mim! Ai, ai de mim!




Meu coração é o laboratório de um cientista louco varrido, criando sem parar Frankensteins monstruosos que sempre acabam por destruir tudo.




Meu coração é um mendigo mais faminto da rua mais miserável.




Meu coração é um traço seco. Vertical, pós-moderno, coloridíssimo de neon, gravado em fundo preto. Puro artifício, definitivo.




Meu coração é um anjo de pedra de asa quebrada.




Meu coração é um bar de uma única mesa, debruçado sobre a qual um único bêbado bebe um único copo de bourbon, contemplado por um único garçom. Ao fundo, Tom Waits geme um único verso arranhado. Rouco, louco.




Meu coração é um sorvete colorido de todas as cores, é saboroso de todos os sabores. Quem dele provar será feliz para sempre.




Meu coração é uma sala inglesa com paredes cobertas por papel de florzinhas miúdas. Lareira acesa, poltronas fundas, macias, quadros com gramados verdes e casas pacíficas cobertas de hera. Sobre a renda branca da toalha de mesa, o chá repousa em porcelana da China. No livro aberto ao lado, alguém sublinhou um verso de Sylvia Plath: "Im too pure for you or anyone". Não há ninguém nessa sala de janelas fechadas.


Meu coração é um deserto nuclear varrido por ventos radiativos.




Meu coração é um cálice de cristal puríssimo transbordante de licor de strega. Flambado, dourado. Pode-se ter visões, anunciações, pressentimentos, ver rostos e paisagens dançando nessa chama azul de ouro.


Meu coração é uma planta carnívora morta de fome. Faquir involuntário, cascata de champanha, púrpura rosa do Cairo, verso de Mário Quintana, vitrina vazia, navalha afiada, figo maduro, papel crepom e um milhão de etcéteras!



minúsculo ser

eu me achava incompleta, vazia como uma casa sem móveis, dormia no chão de mim. tantas visitas, e pouca presença. tanto vento, e pouco ar; tudo preenchido com fumaça, bolhas de sabão e espaço. foi depois de algumas noites caminhando pelo nada que descobri que tudo estava ali exatamente por não estar, como uma placa de "reservado" numa mesa que espera alguém, e que era o propósito de cada ausência me mostrar uma parte de mim a ser preenchida, como um passo que antecedia meus pés num caminho invisível traçado antes do saber, farejado apenas com o coração. uma vez nesse caminho, a sensação de perdido aos poucos deu lugar à mim, e sem pedir informação à ninguém, resolvi nunca mais parar para sempre. (...)

31.5.10

armadilha viva

a vida é uma estranha armadilha viva, quadrada. encostamos na grade da infância até que alguém nos empurra para a próxima, batemos de frente na grade da adolescência, pulamos para a grade da idade sem muita experiência e depois nos apoiamos cansados na grade da decadência, alternando as ordens num ensaio randomizado, anotando tudo num caderno de cientista maluco que talvez sirva de instrução para quem vem atrás.

a minha maior dica é: tem saída? não, nem a morte. a morte é ficar parada no meio dando uma de bicho morto.

30.5.10

transplante cardíaco

aos poucos vou andando pela casa e recolhendo tudo que me pertence; as brincadeiras de infância e as marcas de pé preto e bola no teto, as conversas entranhadas nas paredes junto com todos os segredos que ouviram, as bárbies, o tamagoshi, o lego e o diário, o cheiro de minhas comidas preferidas ainda nas panelas, o barulho do sapato social no corredor, assim como a luz da tv acesa por baixo da porta e os banhos de porta aberta. recolho os presentes dos meus aniversários e todo o seu acúmulo de anos, as velas semi-derretidas guardadas na gaveta junto com as fotografias de quando acenderam pela primeira e última vez. vem com elas o enorme quintal de casa com suas árvores de coça-coça, a primeira curva de bicicleta no chão, os inúmeros passeios de carro nas noites de choro e a manhã de comer areia na praia pela primeira vez. vem com elas as tardes de derrota no boliche, os filmes que mamãe dublava no cinema, a pequena sereia todo dia antes de ir para escola e as canções que papai fazia. vou catando pelos cômodos as primeiras memórias de medo ao acordar sozinha, de cama molhada de xixi, de fraldas e absorventes, do chulé na sapatilha do ballet, da camela elástica da ginástica olímpica, dos treinos de basquete, vôlei, futebol, chuteiras e caneleiras, medalhas e uniformes, fardos e fardas. os livros da escola, os gibis da mônica, a capricho. vou guardando de volta em mim o latido do primeiro cachorro, uma vira-lata chamada totó, o som da primeira palavra em inglês, a verdade sobre papai noel, a otite nos verões de água salgada, o balanço no pé de manga, o esconde-esconde nas escadas do prédio, as pescarias impacientes que terminavam em anzol no dedo, as la ursas no carnaval, a piscina em forma de coração, os tiros de chumbinho no nada, o são joão de fogos e quadrilhas, os selinhos escondidos no verdade ou consequência, as tardes bronzeadas de rede balançando, as cabanas e as fogueiras, os cinco reais de mesada por semana, o pirulito que fazia cócegas na língua, a ansiedade para montar a árvore de natal, a interminável sequência de memórias de uma vida.
vou vestindo em mim as roupas espalhadas pelo chão junto com as lembranças de quando usei-as pela última vez... assimilando tudo numa bagagem emocional e segurando em minhas mãos o insegurável, o conteúdo de tudo que dei e me foi dado, o recheio, o peso de uma vida inteira que escorre para dentro de outra pessoa, que agora terá posse de tudo isso.

o que estou fazendo, basicamente, é arrancando meu coração de casa e entregando-o para você.

on the road

eu vim de uma pessoa muito longe de mim.
desarrumar as malas e instalar-se na estrada nova...



mas antes, 5mins de levitação.




famiglia

quando eu nasci, deitei numa cama de mãos que me ninaram pela vida. cresci em bando de meus, batizada como todos eles, com nomes que me carregaram e que agora carrego além do papel.
a minha família, a mais extensa, é um laço de nó duplo; casamos primos com primos, irmãs com irmãos, e por isso somos nossos dos nossos.

27.5.10

escolha uma vida

escolha uma vida, a sua para começar, e dedique-se a ela com toda sua força e curiosidade.
aprenda em que posição respira mais fácil, que cor lhe agrada os olhos e quais escuros lhe dão mais medo. saiba do que ela se alimenta e por onde deixa escapar suas sobras, e certifique-se de ambas as necessidades sejam bem supridas. conheça os seus defeitos sem se limitar por eles, vista suas roupas ao avesso e veja como se parece no espelho. procure os pontos de pele que mais lhe evocam a alma, e conecte-se através deles sempre que possível. conte piadas até gargalhar de si mesmo, pressione a ferida até chegar ao outro extremo. descubra a dimensão do seu vazio e preencha-o com mais vontade de encher, nunca apenas tape um buraco. leia o que abrir sua mente e faça o que lhe realiza, tire os pés do chão se preciso for. complete as partes que faltam com paciência e carinho, nunca com impulsos, e não tente esconder o que lhe transbordar com tapetes. ame por cima dos seus erros. desmascare seus vícios mais secretos e deixe que morra de cada um deles quantas vezes for necessário, até obter daquela vida, de si, tudo que tiver para ser ao pé da letra, e não de passagem.

com a tarefa completa e você também, recomece, escolha outra vida, e dedique-se a ela com toda sua força e curiosidade.

26.5.10

satyagraha

"Tenho também a chamado de força do amor ou força da alma. Eu descobri o satyagraha pela primeira vez no início da minha busca pela verdade que não admitia o uso da violência contra um adversário, pois o mesmo deve ser desarmado dos seus erros com paciência e compaixão. Sendo o que parece ser verdade para um é um erro para o outro. E paciência significa auto-sofrimento. Assim, a doutrina passou a significar reivindicação de verdade, e não pela inflição de sofrimento sobre o adversário, mas sobre si mesmo."

25.5.10

um, dois, três, e...

eu vou.
vou porque ir, às vezes, é a melhor forma de ficar. é a melhor forma de voltar depois e cobrar tudo aquilo que foi na minha ausência, toda delícia de ser e que não fui, porque fui outra coisa, fui embora. tudo teria se estragado se a permanência fosse maior, e no final ficariam imagens tristes que talvez atrapalhassem o processo da volta; ninguém sente falta do desagradável. vou morrer em casa mesmo, e daqui em diante todo cuidado será meramente paliativo.

eu preciso saber

se no primeiro tropeço, eu me encontrar ao avesso,
você vai rir de mim?
vai aguentar o peso e me levantar ou apagar os passos, os traços do meu caminhar?
se no primeiro instante de raiva, eu me perder um pouco no absurdo,
você vai estar comigo quando eu voltar de lá?
vai lembrar da paz e me lembrar dela também ou fazer de mim aquilo e de tudo mais nada?
se um dia eu não puder falar, e te disser que não aguento,
você vai entender?
vai lembrar de todas as outras coisas que te falei, que me doeram tão igual, ou calar-se num silêncio pessoal também?
se nas noites de mão gelada, eu te causar um certo frio na espinha,
você vai aquecer?
vai aproximar tua boca das palmas e me conceder uma reza quente, ou vai puxar a colcha para o teu lado e dormir indiferente?
se um dia minha opinião discordar da tua, e por vezes da minha também,
você saberá lidar com os extremos?
vai flexibilizar tua verdade até que cheguemos ao consenso, ou atropelaria tudo com tua bandeira da razão?
se um dia amanhecer agitada e, na confusão, não disser que te amo,
você ainda lembraria?
esperaria a noite mais calma e a tua recompensa, ou se daria por mal amada?
se um dia não souber lidar com teu problema,
você entenderia meu esforço?
aceitaria o suor como parte da solução, ou se fecharia na sua dor sozinha?
se eu gemer as incompreensões das dores terríveis,
você tentaria compreender?
calçaria os meus sapatos e sentiria meus calos, ou andaria descalça por cima de mim?
se uma vez a tua chave não abrir meu coração,
você entenderia as causas da reforma?
se arriscaria na bagunça de uma sem-teto, ou correria de volta para o conforto da tua casa completa?
se eu me abrisse completamente e afundasse em você sem pena,
você saberia nadar em mim?
eu me pergunto às vezes o que aconteceria com a gente,
se um dia eu for e não voltar mais, você iria me buscar?
se a queda for feia, você deitaria ao meu lado ou seguiria em frente?
se eu perdesse a voz, você saberia ler minha dor?
se meu coração quebrar por outro motivo que não teu, você acharia traição?
se minha pele ficar áspera e minhas palavras um tanto cruéis, você vestiria o mesmo véu?
se me faltasse, você daria o troco, ou pagaria pelas duas?
se ardesse, você sopraria?
se eu te perguntasse essas coisas, você teria raiva?

por favor

eu acho que morri, e parti tão apressada desta para melhor que esqueci de me avisar. a alma partiu nas pressas de fome e deixou aqui só a carcaça e a consciência para se virar com os restos.
deve ser por isso que todos se incomodam comigo, o cheiro de podre só causa problemas.
alguém me enterra?









desculpe, esqueci novamente, alguém me enterra por favor?

hangman

eu preciso de força, e não forca.
de casa, e não caça.

seguro em mim a insegurança líquida, para que ela não transborde para outras áreas da vida. eu só causo problema, me sinto a estranha do ninho, como uma mancha na foto da família feliz.

i'm satellite high

se as pessoas soubessem como eu me sinto terminalmente fraca, se elas lessem o desânimo na minha cara ou a fragilidade no meu sorriso, ninguém ousaria perguntar "tudo bem?", simplesmente me dariam um abraço, ou partiriam caladas. se elas tivessem a menor do idéia do barulho que faz aqui dentro enquanto passo a marcha, enquanto folheio um livro, enquanto mordo um sanduíche, enquanto fico calada, elas jamais perguntariam "porque tas tão quieta?", simplesmente sentariam ao meu lado naquele silêncio de quem reconhece, ou partiriam caladas. se, por um segundo, elas experimentassem essa morbidez que me tapa os olhos, que me torce o estômago como quem passa fome, que me deixa metade ausente de mim, elas jamais diriam "maria ta tão estranha hoje", simplesmente aceitariam minha ausência como um sinal de fraqueza, aceitariam que pouco podem por mim, e partiriam caladas, mas conscientes. se, ao levantar pela manhã, elas sentissem a pressão que sinto no corpo, a culpa que pesa na consciência, o peso de várias vidas nesse ombro pequeno, elas jamais brincariam "essa cara de sono é ressaca...", porque é ressaca sim, de uma vida inteira, de várias vidas incompletas. não, se elas segurassem nas mãos todas as bolas desse malabarismo, todos os esforços desse viver, toda ausência de cores e sabores, toda velocidade do pensamento, elas jamais julgariam caladas as minhas ações nem a falta delas, elas jamais teriam força para levantar qualquer pose de orgulho, nem tempo para bolar qualquer plano de fuga, elas simplesmente desabariam num choro que ficou preso aqui em mim, emaranhado com todos os nós dessa vida, que me afoga por dentro. só que elas não sabem, essas pessoas, ou preferem não saber, e seguem caladas, ou perguntando coisas que não ouso responder, porque o peso da resposta é insuportável, e só meu.

24.5.10

ostra feliz não dá pérola

um chute na barriga, dois chutes na barriga, três chutes na barriga, quatro chutes na barriga, cinco chutes na barriga, seis chutes na barriga, sete chutes na barriga, oito chutes na barriga, nove chutes na barriga, dez chutes na barriga, onze chutes na barriga, doze chutes na barriga...

pérola?

23.5.10

memento audere semper

acho que, vez ou outra, a vida se apresenta na forma de dores tão intensas e verdades tão cruéis que a única saída é a imaginação, abandonar qualquer forma de vida conhecida e pedir uma realidade que está fora do cardápio (os mais céticos diriam "alienação", eu prefiro "sonhar").


li uma vez sobre uma judia do holocausto que, ao ser questionada sobre como fez para sobreviver à tanto horror, respondeu "imaginei, era preciso muito imaginação para não se deixar morrer naquela realidade." eu me pergunto se isso é fuga, ou inteligência, e até que ponto a fuga é a melhor forma de inteligência? porque é verdade que sentir está fora de questão num terreno que suga todas as suas forças, é bem verdade que algumas dores não nasceram para ser sentidas, apenas suportadas. me lembrei agora de um trecho de harry potter em que existia uma prisão onde toda e qualquer felicidade era sugada para fora de você, e você enlouquecia nos seus pensamentos e sentimentos mais sombrios. eu me lembro que perguntaram para um personagem "como você escapou disso?" e ele respondeu "eu sabia que era inocente, e isso não era um pensamento feliz". então às vezes me permito um momento de branco completo, onde troco todos os meus sentimentos por uma leve imagem de dias melhores enquanto repito mil vezes para mim mesma até que minha consciência absorva como verdade "existe vida além daqui, se eu conseguir me imaginar além daqui. eu sei que sou inocente, e que por enquanto isso não é um pensamento feliz, mas lúcido."

21.5.10

três

amar não é uma conquista, é uma entrega;
viver aberto não é uma forma de defesa, é uma forma de desarme;
há uma certa segurança em saber que o máximo que podem jogar contra mim sou eu.

i am satellie high

viver aberto não é uma forma de defesa, é uma forma de desarme. quando você usa os seus defeitos como acessórios, eles ganham efeito de qualidade, e acho que isso inspira o mundo a ser um lugar mais sinceramente bonito.

com a vida inteira

eu não entendo; todo dia observo as pessoas saírem de casa armadas até os dentes, protegidas contra todo o mal que esperam de lá, afiadas com respostas prontas para qualquer situação invasora, e dizendo, "queria muito alguém que me amasse". eu não admito; uma mão que alisa carinhos cheios de farpas e um corpo que blindou-se contra o toque, uma discussão com todos os restos de debaixo do tapete que voam de um lado para outro e duas pessoas se munindo com a fraqueza da outra, e dizendo "eu te amo". isso é normal.
agora se eu saio de casa com um leve otimismo, se eu começo o dia com uma ponta de esperança de que algum estranho vai sorrir para mim, de que algum conhecido vai me surpreender, se eu acredito no amor e defendo minha tese com a própria vida, de que talvez as pessoas sejam melhores do que demonstram, de que é necessário arriscar-se para ousar dizer que se vive, se eu espero abertamente que alguém se abra espontaneamente e plante um flor, eu estou louca, eu estou fora, eu sou uma marginal beirando o limite do aceitável.
se eu me deito no seu corpo e deixo que todo meu peso se afunde na sua pele até que você sinta exatamente quem eu sou, se eu me faço de cobaia para que você saiba que é seguro sentir também, se eu me dispo completamente e te deixo constrangida por tudo que eu expresso, se eu enxergo o seu potencial e me dedico à ele e exijo de você o mesmo, o de dentro, o brilho dos olhos, se eu não me poupo e não me importo, se eu tenho braços enormes que te cercam com cuidado e permitem que tudo aquilo que se anexa à sua vida faça parte de mim também, se eu volto ao interior é porque vou buscar mais forças para continuar tentando, é porque estou amarrada com uma camisa de força que me priva de te abraçar e te dizer, "eu te amo com a minha vida inteira"

19.5.10

over

eu sou a pessoa mais insegura do mundo e isso poderá ser usado contra mim, e será.
pulo de um tique nervoso para outro; até que a unha cresça eu como a boca, até que o lábio se regenere eu mexo nas espinhas e quando tudo está curado, repasso minhas mãos entre os cabelos de um lado para outro até que toda figura assuma um aspecto oleoso e doentio.
nunca me permiti um vício; quando bebia todos os dias da semana, fumei um cigarro emprestado, e quando acabou eu tive medo de comprar, porque comprar é alimentar o ato de ser, e eu não era. quando perdeu a graça eu experimentei um pouco de tudo, provando tudo aquilo que tinha gosto de mais, e que não tinha mais gosto de nada, correndo solta na casca fina de gelo que se quebra num para sempre sem volta.
tenho para mim que nunca sobreviveria à uma overdose de nada, porque over é tudo, é deixar transbordar e ser full, seja tudo em três segundos e depois apenas intensidades mais leves de um over, half. não existe mais a vida segura após, tudo vira vício repetitivo de ser over-se, overlove, overvida e mais, e ai pode ser que eu morra de tédio ou de tentativas. mas quando se adota uma vida pós, o mais fácil é dosar as vontades pela manhã, jogar as sobras à noite e entre uma manhã e uma noite, é sempre tarde, porque when it's over, it's gameover.

para não morrer sufocada de mim, poupei a vida de todos e gastei todas as minhas.

18.5.10

a fonte

aqui está o segredo; todo mundo tem medo.
por isso é melhor fechar a janela dos olhos e afastar com a pata quem farejar o medo, permanecer na distante segurança de quem se finge de morto. o seguro é o indecifrável, as frações de ser que pouco a pouco tomam uma forma diferente lá fora, uma forma líquida que vai escorrendo como um fino véu de mentiras que endurece e vira pele. toda leveza de uma alma se esconde atrás de um pedaço de carne podre, a superfície rasa de várias camadas de ondas que afogam qualquer tentativa de escape. freud chamava de "mecanismo de defesa", eu me pergunto "contra quem?"
nós mesmos.

aqui está a salvação do universo; unir versos.
unir palmas e cantos, unir corpos em danças e unir o medo à exploração. unir as forças e romper com a barreira viva, aguamolando em pedra dura até respirar o ar de verdade. abaixo do medo, eu. acima do medo, nós. o medo da solidão empurra para fora num parto que rasga todas as regras e ficamos estabanados sem saber fechar aquela ferida de tanta verdade, aquela ferida que dói de verdade, fugiu da rédea e foi. só nos resta unir a dor à ferida, a mão ao sangue, a saudade à entrega, o lábio ao beijo, a alma à outra, as superfícies que se afogam nos profundos. unir o pensamento à fala, o querer ao ser, o eu ao você em um simples medo de verdade de nunca mais ser nada disso novamente.
nós, mesmo.

todas as marias

eu já sabia da tua vinda antes mesmo da chegada, antes mesmo que partistes daí eu já previa essa previsibilidade, eu já tinha escrito um dia num caderno sentada num avião qualquer enquanto voltava para uma realidade ocupada;
"todas as marias encontrarão-se um dia, uma de cada vez, na tua alegria, e em ti nascerá flores de todas as cores, de todas as marias, (...) você deixou poemas o suficiente para serem escritos, então pode ir que tenho muito trabalho pela frente (e não para trás)"
guardei isso sabendo que no futuro era possível.

tudo que tenho para dizer é seja bem-vinda ao clube dos que enxergam, tem band-aid de sobra pro teu coração, e sobras de corações que curam. pode me chamar de doida, é o mal do nome.

16.5.10

real

eu preciso de profundidade, preciso chegar até onde não dou mais pé em você e me afogar por lá. amar para mim é um pouco de suicídio, e eu não me importo de morrer todo dia. eu não me importo se todo dia eu tiver que sair para comprar fogos e solta-los cada vez que você entrar no meu campo de visão, não me importo em ter que sentir sua falta enquanto faço outra coisa menos importante, não me importo em ter que dedicar nada a você, nem tempo, nem pensamentos, nem sentires, não me importo em tirar minha roupa, minhas armas, meu orgulho. eu não me importo em ter que dar nada, eu vendo, eu doo, eu entrego à domicílio, só não me peça para guardar, só não me diga "menos", só não me deixe brincando numa piscininha de você com água que bate no teu joelho.

Sentir aos poucos não quer dizer sentir pouco, entenda isso, meu amor.

observo as pessoas, todo dia, eu leio pessoas. cada um tem seu mecanismo de defesa, e esse é o meu. cada um tem seu hobby, e esse é o meu.
ler pessoas.

14.5.10

quero deitar toda minha vida na tua, deitar nua no teu corpo e combinar as partes iguais, como num jogo de encaixa onde a gente nunca acha a parte certa para encaixar o fim.
quero ouvir as crianças engatinharem para fora da tua boca,

13.5.10

aos poucos muito

aos poucos vou despelando todas as camadas de peles até que fique apenas o sentimento nú e cru, e aos poucos vou me deitando sobre ti e encostando cada palma de mão minha na tua, cada seio num seio e cada olho no olho até que sintas meu peso distribuído em cada parte do teu corpo igualmente, até que meu peso te sufoque a ponto de dividirmos o mesmo ar. aos poucos vou revelando as histórias de tua ausência e as novas feridas da mesma guerra, e aos poucos vou me rendendo de dentro para fora, aos poucos me aquecendo de fora para dentro. aos muitos pouquinhos os dedos se encaixam, depois os futuros e as batidas do coração

cada batida ocupando o intervalo da outra até que o som seja

10.5.10

jorge drexler

a gente pensa que sabe, só para descobrir que não sabe nem pensar ainda.
é jorgito, a vida é mais complexa do que parece...


ou será que você quis dizer completa?

o que flor, quando flor

e quando brotar, que sejam rosas naturais de cores verdadeiras e raízes sólidas e espinhos toleráveis.

mas por enquanto, água.

9.5.10

mil

é muito cedo para falar de amor?
porque eu disse "calma", mas agora é o meu coração que bate a mil.

(mil pedaços de felicidade correndo pelo sangue, baby)

vem buscar

se eu tirar teu conforto, roubar teu sono e te deixar um tanto perdida, não te preocupes;
isso não é um jogo de esconde-esconde, é um roubo ao ar livre onde teu coração me concedeu a honra de guardar um pouco de ti em mim.

pedaço de mim

aquela vontade de apressar os minutos sozinhos só para que cheguem as tuas horas completas, aquela vontade humana de envelhecer ao teu lado, aquele desejo de repousar minha vida no teu corpo e deixar todas as marcas vermelhas de amor, aquela vontade infinita de não ter fim, aquela vontade que só sinto contigo, aquela coisa sem nome que se transforma em beijos e abraços apertados, aquela vontade sem fim de que chegue logo tu só para que chegue logo a mim, aquela vontade de estudar para ganhar dinheiro e sustentar esse amor que por enquanto só vive escondido nos muros de dois corpos, aquela vontade de que esses dois corpos virem um só, e que talvez eu chame de filho, e que talvez eu chame de amor, e que por enquanto não passa daquela vontade de ser muito mais que essas palavras.

quando eu escrevo e a vontade não passa é sinal que a realização se estendeu à além-eu.

desculpa se te chamo de amor

no final dessas contas que fazemos antes de dormir, essas contas que nos adormecem no pensamento, o que é então amar?
porque quando tentamos todas as formas, quando apelamos para o auto-destrutivo e reconstruímos, quando sentimos o coração bater e latejar, quando amadurecemos e respeitamos tudo aquilo que envolve a palavra amar, por que a queda é sempre a mesma?
se meu coração agora me pertence, é responsabilidade minha o que acontecerá com ele daqui em diante, e isso é chão seguro. mas se eu o coloco em outras mãos, se ele acorda batendo em outro peito, se ele já não mais me obedece, como posso dormir nessas condições?
deve ser sutil essa mudança entre a saudade e a entrega, deve ser tão natural quanto a vontade de pertencer a outro corpo. minha cabeça talvez agora não entenda o código morse que o coração envia, e talvez minhas palavras sejam ralas em comparação a tudo aquilo que sinto quando o assunto é amor, em especial o amor que tenho por você, mas é tudo que minha fragilidade me permite no momento. eu queria ser maior só para comportar mais de ti, queria comportar-me mais só para que vejas o quanto me importo contigo. não chamo isso de sacrifício, chamo de amor.

é muito difícil para mim ter-me em ti, sentindo-me completa apenas quando estás tão perto que a distância é menor que a saudade; tão perto que não há espaço entre tua pele e minha alma, entre tua palavra e minha verdade, entre teu coração e o meu.
tão perto que as palavras parecem mil milhas longe de qualquer explicação.

"Tão perto que, quando fechas os olhos, eu adormeço."

3.5.10

medo é cheiro que se sente

When the serpent appears, his head is ten feet long and five feet wide. He has one red eye and one green eye. He's deadly and he's seven miles long. As he moves -- on his scales is written all the history of the world, all people, all actions, all of us our little pictures on the scales, God it's big! -- and it's eating as it moves all the time, devouring, digesting consciousness, power, a monster of energy! We must kiss the snake on the tongue, if it senses our fear, it will eat us instantly. But if we kiss it without fear, the snake will take us through the garden and out the gate. To our freedom - we must ride this snake. To the end of time.

o que for, quando for

I’m sick of chasing after things, I’d rather them chase after me
Keeping up is bound to wear me down
There’s a million ways to skin a cat, I’ve put my choices in a hat
Picked a few and threw the bad ones out

I know now

So if you want me you’d better knock me down
Cause I ain’t easy and this ain’t hallowed ground

I’ve been thinking about ol’ Cain and Abel, sitting at a breakfast table
Talking about the way things used to be
Well Abel looked at Cain and said all that shit was in your head
I’d like to think that Cain was hard to please


I know now

So if you want me you’d better knock me down
Cause
I ain’t easy and this ain’t hallowed ground

She said no one loves you more than me
I looked at her, she looked at me
I think she’s waiting for me to believe

I wish that
love was all it took
I’d fall into you if I could
Hoping for a graceful recovery

But I know now

So if you want me, you’d better knock me down
Cause
I ain’t easy oh, and this ain’t hallowed ground

30.4.10

agapornis

você é agapornis, e encontrou um pequeno e confortável pedaço de madeira flutuando no rio. você pousa nele, agapornis.
agapornis, você agora está parada no movimento.
o rio é líquido, mas a madeira é sólida e as paisagens são belas. você não sabe nadar, agapornis, lembre-se disso, será importante no futuro.
mas bem, como eu falei, as paisagens são belas, são lindas, você não para de admirá-las e, que estranho, elas parecem te admirar de volta, não é? posso te chamar de aga, agapornis?
bem, aga, você se sente em casa. este pedaço de madeira é o seu novo lar, e olhando as paisagens você se sente em equilíbrio com tudo ao seu redor, até com o rio no qual você não sabe nadar.
olha aga, lá na frente, você sente o cheiro no ar, lá na frente. você está acostumada com esse cheiro, aga. o cheiro de água despencando e virando espuma e evaporando.
eu sei, eu sei, o cheiro indica que a caichoeira ainda está distante, continue admirando as paisagens, olha como tudo é mais bonito visto daqui de perto, e não de lá de cima. tudo é mais vivo quando a gente pode tocar não é mesmo, mas não toque muito que essas coisas selvagens não são acostumadas e se desmancham ao toque. admire com cuidado, prometa.
aga, você está ouvindo? não falo de mim, falo do barulho de água caindo? preste atenção, é sério, pare de brincar com as borboletas aga, a queda está bem próxima agora, você precisa olhar para frente. eu sei, isso é tudo que você sempre sonhou, mas você não sabe nadar, você está me ouvindo? agapornis, me escute, flores brotarão em outros lugares também, não existe só aqui, o que existe é uma caichoeira bem na sua frente e você não vê! agapornis, você prometeu que teria cuidado, preste atenção no movimento, AGAPORNIS! OLHE!
TCHIBUM
palavras molhadas;
não reclame agapornis, eu tentei te avisar, eu tentei te mostrar uma coisa muito importante, muito mais importante que o conforto da madeira e o encanto das paisagens, muito mais importante que o perigo da caichoeira, eu tentei te mostrar você, aga.
você se distraiu demais, meu amor, e esqueceu quem você era, esqueceu teu nome, eu te chamava e você não ouvia. agapornis, esse não é apenas teu nome feio, essa é quem tu és, meu passarinho. esqueceste quem tu és no minuto em que pousaste naquela madeira e te ancoraste naquelas paisagens,
tudo teria sido mais fácil se você soubesse que agapornis quer dizer "pássaro do amor", tudo teria sido mais fácil se você tivesse procurado em você a habilidade de voar e a capacidade de amar-se, no lugar de ficar se preenchendo com paisagens passageiras, em vez de ficar querendo nadar entre peixes e amando borboletas.

agapornis quer dizer "pássaro do amor" e você esqueceu.
é verdade, olhe no dicionário, se estiver duvidando. fui eu quem te batizei, mas nem assim você me ouviu chamar.

eu nunca-nunca

eu nunca fingi ser alguém mais interessante do que eu realmente era (bebe)
eu nunca roubei a prova de química para passar de ano (bebe)
eu nunca matei aula para fazer amor (bebe)
eu nunca apanhei dos meus pais (bebe)
eu nunca tive fé de verdade (bebe)
eu nunca rezei por puro desespero e falta de opção (bebe)
eu nunca fui abraçada pelo meu irmão quando esperava um olhar de reprovação em troca (bebe)
eu nunca me senti mais orgulhosa de mim do que minha mãe no dia que nasci (bebe)
eu nunca fiz tatuagens nem piercings (bebe)
eu nunca cortei os pulsos no banheiro de um bar só para chamar atenção (bebe)
eu nunca tive um coração partido, nem um sonho morto (bebe, bebe)
eu nunca passei horas escolhendo uma calcinha (bebe)
eu nunca tive agonia de usar meias (bebe)
eu nunca ouvi um casal transando do meu lado (bebe)
eu nunca transei do lado de ninguém (bebe)
eu nunca coloquei botox nas axilas para parar de suar (bebe)
eu nunca acordei sem lembrar de ontem (bebe)
eu nunca queimei brigadeiro (bebe)
eu nunca fiz amor num quadricíclo, na praia, com o sol nascendo (bebe)
eu nunca fiz amor no banco de trás do carro do meu pai (bebe)
eu nunca fiz amor no cinema (bebe)
eu nunca fiz amor sem amor (bebe)
eu nunca cheirei loló, tricol, cocaína só para não me sentir eu (bebe, bebe, bebe)
eu nunca paquerei um homem casado (bebe)
eu nunca menti para meu psiquiatra (bebe)
eu nunca pedi que algo de ruim me acontecesse só para que alguém me notasse (bebe)
eu nunca aturei alguém só para não ficar sozinha num local (bebe)
eu nunca tive meu jantar pago por um mendigo (bebe)
eu nunca chorei no telefone porque tinha medo de fazer um pedido na mc.donalds (bebe)
eu nunca tive dúvidas sobre quem eu era e o que eu sentia (bebe)
eu nunca abracei alguém com minha alma (bebe)
eu nunca senti alívio quando meu avô morreu (bebe)
eu nunca me senti mais amada pelas minhas empregadas que pela minha família (bebe)
eu nunca usei óculos escuros para que ninguém visse minhas lágrimas (bebe)
eu nunca repassei um diálogo na minha cabeça procurando segundas intenções (bebe)
eu nunca desejei muito não ter dito algumas coisas (bebe)
eu nunca mudei a vida de pelo menos uma pessoa, seja para melhor ou pior (bebe)
eu nunca soltei um pum e culpei outra pessoa (bebe)
eu nunca parei espontaneamente só para agradecer por algo ou alguém em minha vida (bebe)
eu nunca corri atrás do meu irmão para pegar meu diário de volta (bebe)
eu nunca fumei maconha e disse que o vermelho no olho era de choro, ou irritação na lente (bebe)
eu nunca tive vergonha de mostrar minhas unhas roídas (bebe)
eu nunca fui incompreendida (bebe)
eu nunca chorei no meio de um THC sem saber que porra eu estava fazendo em medicina (bebe)
eu nunca sorri de volta para um estranho (bebe)
eu nunca olhei para trás e desejei coisas diferentes (bebe)
eu nunca olhei para frente e tive medo (bebe)
eu nunca me senti bem por ter dado esmola (bebe)
eu nunca tive medo de morrer (bebe)
eu nunca coloquei papel higiênico na privada para que ninguém ouvisse o barulho do cocô caindo na água (bebe)
eu nunca contei para meus pais que eu era gay (bebe)
eu nunca joguei papel higiênico pela janela e culpei o vizinho (bebe)
eu nunca brinquei de esconde-esconde só para realmente me esconder de alguém, ou com alguém (bebe, bebe)
eu nunca joguei bola na chuva (bebe)
eu nunca tremi de nervoso antes de uma apresentação em público (bebe)
eu nunca bebi água da pia, nem leite da garrafa, nem coloquei a colher suja de volta no pote de sorvete (bebe, bebe, bebe)
eu nunca disse que ia fugir de casa e me escondi na escada do prédio (bebe)
eu nunca levei meu pai na emergência do hospital de madrugada (bebe)
eu nunca desejei inconscientemente que minha mãe morresse para que eu pudesse ser a mulher do meu pai (bebe)
eu nunca tive vergonha de chamar meus pais de "mãe" e "pai", em vez de "mamãe" e "papai" (bebe)
eu nunca fiquei observando minha mãe fazer um bolo como se aquilo fosse a coisa mais importante do mundo (bebe)
eu nunca disse que ia ligar e não liguei (bebe)
eu nunca liguei bêbada (bebe)
eu nunca dormi mal esperando uma ligação (bebe)
eu nunca comi sanduíche de banana com atum feito por mim mesma (bebe)
eu nunca quis ser chamada de patrícia só porque era o nome da menina mais popular da sala (bebe)
eu nunca fui chamada de "maria rita" ou "maria carolina" num consultório (bebe)
eu nunca acordei de madrugada com medo de algo que eu não sabia o que era (bebe)
eu nunca tive insônia, nem tomei "remédio de doido" (bebe, bebe)
eu nunca voltei diferente de uma viagem (bebe)
eu nunca senti saudade (bebe)
eu nunca tive minha vida completamente mudada depois de uma partida de eu nunca-nunca (bebe)
eu nunca fui tão sincera em toda minha vida (bebe)

está muito incompleto, e estará sempre, porque eu sempre ficarei bêbada antes de terminar.

trial 1

a vida não é só isso, eu sei. é o risco que se corre quando se tem a consciência de que a coisa é um pouco mais profunda; podemos afogar-nos em nós mesmos.
ao contrário da categoria universal, do que ditam os filmes de infância, não existe "o bem contra o mal". não existem pessoas boas nem pessoas ruins, apenas pessoas rasas ou profundas.
ah, esquece, deixa pra lá... eu não vou mais ficar nessa de "tentar viver", é frustrante.

se a vida quiser, ela que me tente.

conversa de cantina

- eu acho que nunca fui feliz, parando para pensar agora. assim, na minha infância, e tal, eu acho que nunca soube de verdade o que é essa felicidade.
- sério? pois eu acho que sou o contrário. minha infância inteira foi perfeita, eu lembro de ter sido feliz durante toda minha vida, eu era feliz todos os dias, até... sei lá, até algum dia que eu não lembro, foi morrendo aos poucos. por isso que hoje não me contento com esse estado. mas no fundo, eu não sei o que é pior. é como ter que escolher entre nascer cego ou ficar cego, sabe?

eu sei que a grande maioria responderá "o melhor é não ser cego", mas entre na metáfora. o que seria mais fácil de lidar, para você; (1) saber que existe algo além, mas que você jamais verá e portanto jamais correrá o risco de perder, ou (2) arriscar e provar aquela coisa a mais, uma vez só, por um tempo que não lhe cabe decidir, e viver o resto da vida carregando o peso da falta?

HEIN?
O QUE VOCÊ ESCOLHERIA?
VOCÊ TEM ESCOLHA.

você lidaria melhor com a segurança da curiosidade eterna ou a frustração da consequência de uma vida eternamente menor?
eu lido com a consequência, todo dia, e por incrível que pareça aprendi a agradecer no escuro, todo dia, por ter, um dia, visto.