30.4.10

agapornis

você é agapornis, e encontrou um pequeno e confortável pedaço de madeira flutuando no rio. você pousa nele, agapornis.
agapornis, você agora está parada no movimento.
o rio é líquido, mas a madeira é sólida e as paisagens são belas. você não sabe nadar, agapornis, lembre-se disso, será importante no futuro.
mas bem, como eu falei, as paisagens são belas, são lindas, você não para de admirá-las e, que estranho, elas parecem te admirar de volta, não é? posso te chamar de aga, agapornis?
bem, aga, você se sente em casa. este pedaço de madeira é o seu novo lar, e olhando as paisagens você se sente em equilíbrio com tudo ao seu redor, até com o rio no qual você não sabe nadar.
olha aga, lá na frente, você sente o cheiro no ar, lá na frente. você está acostumada com esse cheiro, aga. o cheiro de água despencando e virando espuma e evaporando.
eu sei, eu sei, o cheiro indica que a caichoeira ainda está distante, continue admirando as paisagens, olha como tudo é mais bonito visto daqui de perto, e não de lá de cima. tudo é mais vivo quando a gente pode tocar não é mesmo, mas não toque muito que essas coisas selvagens não são acostumadas e se desmancham ao toque. admire com cuidado, prometa.
aga, você está ouvindo? não falo de mim, falo do barulho de água caindo? preste atenção, é sério, pare de brincar com as borboletas aga, a queda está bem próxima agora, você precisa olhar para frente. eu sei, isso é tudo que você sempre sonhou, mas você não sabe nadar, você está me ouvindo? agapornis, me escute, flores brotarão em outros lugares também, não existe só aqui, o que existe é uma caichoeira bem na sua frente e você não vê! agapornis, você prometeu que teria cuidado, preste atenção no movimento, AGAPORNIS! OLHE!
TCHIBUM
palavras molhadas;
não reclame agapornis, eu tentei te avisar, eu tentei te mostrar uma coisa muito importante, muito mais importante que o conforto da madeira e o encanto das paisagens, muito mais importante que o perigo da caichoeira, eu tentei te mostrar você, aga.
você se distraiu demais, meu amor, e esqueceu quem você era, esqueceu teu nome, eu te chamava e você não ouvia. agapornis, esse não é apenas teu nome feio, essa é quem tu és, meu passarinho. esqueceste quem tu és no minuto em que pousaste naquela madeira e te ancoraste naquelas paisagens,
tudo teria sido mais fácil se você soubesse que agapornis quer dizer "pássaro do amor", tudo teria sido mais fácil se você tivesse procurado em você a habilidade de voar e a capacidade de amar-se, no lugar de ficar se preenchendo com paisagens passageiras, em vez de ficar querendo nadar entre peixes e amando borboletas.

agapornis quer dizer "pássaro do amor" e você esqueceu.
é verdade, olhe no dicionário, se estiver duvidando. fui eu quem te batizei, mas nem assim você me ouviu chamar.

eu nunca-nunca

eu nunca fingi ser alguém mais interessante do que eu realmente era (bebe)
eu nunca roubei a prova de química para passar de ano (bebe)
eu nunca matei aula para fazer amor (bebe)
eu nunca apanhei dos meus pais (bebe)
eu nunca tive fé de verdade (bebe)
eu nunca rezei por puro desespero e falta de opção (bebe)
eu nunca fui abraçada pelo meu irmão quando esperava um olhar de reprovação em troca (bebe)
eu nunca me senti mais orgulhosa de mim do que minha mãe no dia que nasci (bebe)
eu nunca fiz tatuagens nem piercings (bebe)
eu nunca cortei os pulsos no banheiro de um bar só para chamar atenção (bebe)
eu nunca tive um coração partido, nem um sonho morto (bebe, bebe)
eu nunca passei horas escolhendo uma calcinha (bebe)
eu nunca tive agonia de usar meias (bebe)
eu nunca ouvi um casal transando do meu lado (bebe)
eu nunca transei do lado de ninguém (bebe)
eu nunca coloquei botox nas axilas para parar de suar (bebe)
eu nunca acordei sem lembrar de ontem (bebe)
eu nunca queimei brigadeiro (bebe)
eu nunca fiz amor num quadricíclo, na praia, com o sol nascendo (bebe)
eu nunca fiz amor no banco de trás do carro do meu pai (bebe)
eu nunca fiz amor no cinema (bebe)
eu nunca fiz amor sem amor (bebe)
eu nunca cheirei loló, tricol, cocaína só para não me sentir eu (bebe, bebe, bebe)
eu nunca paquerei um homem casado (bebe)
eu nunca menti para meu psiquiatra (bebe)
eu nunca pedi que algo de ruim me acontecesse só para que alguém me notasse (bebe)
eu nunca aturei alguém só para não ficar sozinha num local (bebe)
eu nunca tive meu jantar pago por um mendigo (bebe)
eu nunca chorei no telefone porque tinha medo de fazer um pedido na mc.donalds (bebe)
eu nunca tive dúvidas sobre quem eu era e o que eu sentia (bebe)
eu nunca abracei alguém com minha alma (bebe)
eu nunca senti alívio quando meu avô morreu (bebe)
eu nunca me senti mais amada pelas minhas empregadas que pela minha família (bebe)
eu nunca usei óculos escuros para que ninguém visse minhas lágrimas (bebe)
eu nunca repassei um diálogo na minha cabeça procurando segundas intenções (bebe)
eu nunca desejei muito não ter dito algumas coisas (bebe)
eu nunca mudei a vida de pelo menos uma pessoa, seja para melhor ou pior (bebe)
eu nunca soltei um pum e culpei outra pessoa (bebe)
eu nunca parei espontaneamente só para agradecer por algo ou alguém em minha vida (bebe)
eu nunca corri atrás do meu irmão para pegar meu diário de volta (bebe)
eu nunca fumei maconha e disse que o vermelho no olho era de choro, ou irritação na lente (bebe)
eu nunca tive vergonha de mostrar minhas unhas roídas (bebe)
eu nunca fui incompreendida (bebe)
eu nunca chorei no meio de um THC sem saber que porra eu estava fazendo em medicina (bebe)
eu nunca sorri de volta para um estranho (bebe)
eu nunca olhei para trás e desejei coisas diferentes (bebe)
eu nunca olhei para frente e tive medo (bebe)
eu nunca me senti bem por ter dado esmola (bebe)
eu nunca tive medo de morrer (bebe)
eu nunca coloquei papel higiênico na privada para que ninguém ouvisse o barulho do cocô caindo na água (bebe)
eu nunca contei para meus pais que eu era gay (bebe)
eu nunca joguei papel higiênico pela janela e culpei o vizinho (bebe)
eu nunca brinquei de esconde-esconde só para realmente me esconder de alguém, ou com alguém (bebe, bebe)
eu nunca joguei bola na chuva (bebe)
eu nunca tremi de nervoso antes de uma apresentação em público (bebe)
eu nunca bebi água da pia, nem leite da garrafa, nem coloquei a colher suja de volta no pote de sorvete (bebe, bebe, bebe)
eu nunca disse que ia fugir de casa e me escondi na escada do prédio (bebe)
eu nunca levei meu pai na emergência do hospital de madrugada (bebe)
eu nunca desejei inconscientemente que minha mãe morresse para que eu pudesse ser a mulher do meu pai (bebe)
eu nunca tive vergonha de chamar meus pais de "mãe" e "pai", em vez de "mamãe" e "papai" (bebe)
eu nunca fiquei observando minha mãe fazer um bolo como se aquilo fosse a coisa mais importante do mundo (bebe)
eu nunca disse que ia ligar e não liguei (bebe)
eu nunca liguei bêbada (bebe)
eu nunca dormi mal esperando uma ligação (bebe)
eu nunca comi sanduíche de banana com atum feito por mim mesma (bebe)
eu nunca quis ser chamada de patrícia só porque era o nome da menina mais popular da sala (bebe)
eu nunca fui chamada de "maria rita" ou "maria carolina" num consultório (bebe)
eu nunca acordei de madrugada com medo de algo que eu não sabia o que era (bebe)
eu nunca tive insônia, nem tomei "remédio de doido" (bebe, bebe)
eu nunca voltei diferente de uma viagem (bebe)
eu nunca senti saudade (bebe)
eu nunca tive minha vida completamente mudada depois de uma partida de eu nunca-nunca (bebe)
eu nunca fui tão sincera em toda minha vida (bebe)

está muito incompleto, e estará sempre, porque eu sempre ficarei bêbada antes de terminar.

trial 1

a vida não é só isso, eu sei. é o risco que se corre quando se tem a consciência de que a coisa é um pouco mais profunda; podemos afogar-nos em nós mesmos.
ao contrário da categoria universal, do que ditam os filmes de infância, não existe "o bem contra o mal". não existem pessoas boas nem pessoas ruins, apenas pessoas rasas ou profundas.
ah, esquece, deixa pra lá... eu não vou mais ficar nessa de "tentar viver", é frustrante.

se a vida quiser, ela que me tente.

conversa de cantina

- eu acho que nunca fui feliz, parando para pensar agora. assim, na minha infância, e tal, eu acho que nunca soube de verdade o que é essa felicidade.
- sério? pois eu acho que sou o contrário. minha infância inteira foi perfeita, eu lembro de ter sido feliz durante toda minha vida, eu era feliz todos os dias, até... sei lá, até algum dia que eu não lembro, foi morrendo aos poucos. por isso que hoje não me contento com esse estado. mas no fundo, eu não sei o que é pior. é como ter que escolher entre nascer cego ou ficar cego, sabe?

eu sei que a grande maioria responderá "o melhor é não ser cego", mas entre na metáfora. o que seria mais fácil de lidar, para você; (1) saber que existe algo além, mas que você jamais verá e portanto jamais correrá o risco de perder, ou (2) arriscar e provar aquela coisa a mais, uma vez só, por um tempo que não lhe cabe decidir, e viver o resto da vida carregando o peso da falta?

HEIN?
O QUE VOCÊ ESCOLHERIA?
VOCÊ TEM ESCOLHA.

você lidaria melhor com a segurança da curiosidade eterna ou a frustração da consequência de uma vida eternamente menor?
eu lido com a consequência, todo dia, e por incrível que pareça aprendi a agradecer no escuro, todo dia, por ter, um dia, visto.

19.4.10

seco e molhado

não consigo escrever, secou.
como se todas as palavras tivessem sido ditas e todas as lágrimas choradas com tanta sinceridade que dessa vez não existem sobras. seca sim, mas uma secura leve.
não há o peso das coisas sufocadas, das coisas guardadas, nem dúvida, não há o peso da dúvida.
só dói como qualquer coração que se partiu inteiro, e para dor, tempo...
e amigos.

música

clássica alternativa blues jazz rock pop punk country emo indie folk mpb brega samba pagode sertanejo hip hop house tuntz tuntz tuntz tuntz tuntz tuntz tuntz tuntz
shhh!
a melhor batida é a do c o r a ç ã o

18.4.10

vermelhas

não, já não me encantam mais as rosas com todo seu perfume.
eu agora sei que o vermelho das rosas é sangue seco dos espinhos, e que gostamos de nos enganar chamando-as de rosa quando na verdade sabemos que são vermelhas.
é bonitinho, no começo, mas eu já não vejo mais graça nessas coisas espinhentas que morrem no final do dia, portanto não me venha com rosas, as suas já murcharam para mim, guarde-as para o seu velório porque eu te sinto morrendo, despetalando num bem-me-quer que terminou mal.

não me venha com rosas, eu prefiro sementes.

luz

se quisermos 24h de luz devemos dedicar uma vida ao sol,
ou cultiva-lo em nós.


"eu te amo" não diz nada

eu gosto de você, hoje. não sei se você sabe, mas eu tenho prazo de validade e minhas palavras são cinderella; o encanto só dura até meia noite.
(na verdade eu sou uma abóbora horrível que mal consegue andar, eu me arrasto)
eu já disse que gosto de você e sempre gostei? é, eu sempre gostei, desde hoje de manhã quando acordei mal, desde sempre hoje de manhã eu gosto de você. e é para sempre também, você sabia disso? eu vou gostar de você para sempre até amanhã.
pode confiar em mim, eu gosto de você e eu não quero machucar ninguém, começando por mim mesma. então não se preocupe que hoje é o seu dia de não se machucar, mas amanhã será o de outra pessoa e assim eu encontrei uma fórmula mágica onde ninguém mais se machucará na vida, incluindo eu, que não sou nada egoísta.
eu me preocupo muito com você, quando estou preocupada comigo. penso sempre em você, quando não aguento mais pensar por mim. você é a pessoa que mais me conhece e entende, ainda que eu não tenha a menor idéia de quem sou nem o que quero. eu gosto muito de você, sem nem gostar de mim.
e eu não quero machucar ninguém, por isso vou me afastar de você, porque eu gosto muito de você e sei que isso é o melhor a fazer, porque eu estou um monstro e deveria ficar em casa me tratando, se eu realmente gosto das pessoas que digo gostar.

17.4.10

ambulância

"tomara que chova até de noite, ai vai ta cheio de acidentado no plantão!"
é, tomara que chova bem muito em todos que precisam de uma limpeza, tomara que eles se acidentem e venham parar lá no plantão, lá onde vou cuidar deles e não vou deixar ninguém sair sem vida. são tantos, são tantos os acidentados nessa vida que estão morrendo de chuva interna, e eu sou só eu, só uma.
mas a vida existe, e é incrível como a gente dorme de um jeito e pode acordar de outro, pode até nem acordar mais, é incrível acordar desejando uma coisa dessas, mas eu não ligo. o ser humano é tão surpreendente que às vezes até deixa de ser humano e vira apenas confusão.
mas hoje amanheceu tudo diferente em mim e eu vou conseguir mover meus pés até aquele hospital, e depois move-los até outra pessoa e depois talvez essa pessoa mova alguma coisa em mim também, e o diagnóstico é tempo, futuro, flutuar com leveza para frente, para o próximo acidentado.
e é isso mesmo que vou fazer, estou indo agora para o plantão sem saber ainda se vou para tratar ou ser tratada, mas seja como for, eu vou.
eu vou porque sempre haverá acidentes e esperança de vida, e porque a vida simplesmente não pára para esperar os acidentados.

dessa vez não vou bater meu carro para ver se chego mais rápido pela porta errada.

11.4.10

adeus, você

tem luta que é tão pessoal que a gente só sabe o fim quando morreu.
só sentimos a vitória de sair da guerra quando somos derrotados, pisoteados, mortos, comparecemos a missa de sétimo dia e tudo,
quando sem saber de nada, olhamos dentro do caixão e a gente se enxerga, em paz, naquele silêncio de quem morreu para sempre, com aquela cara de passado. sou eu deitado com cara de anjo, sou eu velando o meu próprio peso. ai estou, um ponto final de mim. suspiro, pausa. adeus, você.
dai em diante já não há mais dor, já não há mais luta;
apenas luto por quem um dia fomos.

juntamos os cacos e seguimos em frente com alma de super-herói.

lanterna dos afogados

a gente só sabe quem é quando se perde na imensidão das coisas sem sentido, quando se depara nos nossos próprios limites, quando se afunda em dor profunda.
na felicidade somos todos iguais, é na dor que aprendemos a ser quem somos.
só é possível ouvir-se quando esquecemos que precisamos existir, quando ignoramos o latejar do coração, o caos gritante dos pensamentos, e apenas doemos.
dói, eu acredito, eu acredito em qualquer um que me diga que sofre do pior dos males, ainda que para mim esse mal não signifique nada. eu acredito quando me dizem que viver virou um desejo de morte, eu acredito nos desacreditados, desamparados e desentendidos, eu acolho todos eles numa parte de mim que morreu do mesmo mal, de forma diferente. é que dor é uma coisa muito pessoal, por isso nunca menosprezo a dor alheia. dói, e dói mesmo, e tudo que posso dizer é que não vai parar de doer até que pare, não vai parar de sangrar até que estanque, não vai parar de chorar até que sorria novamente.
mas sempre digo, também, que não se preocupe, que sobreviverás mais forte, que nunca ouvi de ninguém que sangrou até a morte, que afogou-se nas próprias lágrimas. nunca ouvi de ninguém que voltou o mesmo de uma dor, então aproveite e mergulhe na sua, eu te ofereço uma mão de resgate.
digo isso porque eu também, eu também já estive ai e ainda estou viva, mais viva. afinal, só se vive uma vez, é verdade, mas quantas vezes não morremos nessa única vida?

7.4.10

"eu sou uma pergunta"

- oi, tudo bem?
- tudo e você?
- não, será que melhora?
- depende, qual teu problema?
- não sei, acho que busco muitas respostas, é errado querer respostas?
- não existe respostas para tudo, você sabe disso né?
- sei, eu sei, mas eu preciso delas, me sinto segura sabendo, sabe como é?
- não faz sentido, você sempre conseguiu definir tudo na vida assim, respondendo?
- e como mais faria?
- não percebe que talvez uma de suas perguntas responda a minha, que talvez uma das minhas perguntas responda a sua, não percebeu nada disso?
- percebi, mas cadê a resposta?
- está nas perguntas, a resposta está em duas perguntas iguais, duas pessoas com a mesma dúvida já é uma resposta em si, não acha?
- então não há resposta? a resposta é uma pergunta, é isso?
- é isso, perguntaremos nossas respostas.

é raro, mas acontece

ninguém sabe como eu me sinto, e mesmo que soubesse, não saberia, porque eu sinto, e ele sabe, apenas.
ninguém sente como eu sinto, porque mesmo se sentisse o que estou sentindo, não sentiria na mesma frequência que eu, porque não há conexão.
explico;
cada corpo é o poço da própria alma, é a jaula de barras de carne, o que nos prende em nós.
quando dois corpos se tocam, é fricção. quando duas almas se encostam, é conexão.
eu posso entrar em você a quilometros de distância, e você passeia por mim com livre acesso,
a gente nem percebe, mas se entende.
estamos presentes em sincronia, numa frequência nossa; já não anseio mais você, pois já te tenho em mim, dentro do meu comigo.
já não há mais esforço físico nem desgaste emocional; a ausência é ilusão de óptica, porque quando cada um vira extensão do outro, o toque é só complemento, ansiedade fútil.

é raro, mas acontece.

deveres

eu fiz o dever de casa, ainda que tenha perdido a minha para fazê-lo. e mesmo sem casa, eu continuo fazendo o dever, porque é tudo que me resta.
e eu queria muito ter alguém agora, alguém para poder dever coisas;
dever um beijo, um abraço, uma conversa, um ombro amigo, um filme debaixo das cobertas, uma pizza numa sexta à noite, uma promessa de dias melhores.
queria muito, muito mesmo, menos dever e dever mais.

mas ai lembro, já não tenho casa, já não tenho mais segurança para toda essa vulnerabilidade.

she said she said

She said "I know what it's like to be dead.
I know what it is to be sad"
And she's making me feel like I've never been born.

I said "Who put all those things in your head?
Things that make me feel that I'm mad
And you're making me feel like I've never been born."

She said "you don't understand what I said"
I said "No, no, no, you're wrong"
When I was a boy everything was right
Everything was right

I said "Even though you know what you know
I know that I'm ready to leave
'Cause you're making me feel like I've never been born."

She said "you don't understand what I said"
I said "No, no, no, you're wrong"
When I was a boy everything was right
Everything was right

I said "Even though you know what you know
I know that I'm ready to leave
'Cause you're making me feel like I've never been born."

She said, she said "I know what it's like to be dead"
("I know what it's like to be dead")

I know what it is to be sad...

queda do bem

eu andava na ponta dos pés, como boa bailarina que nunca fui. lá em cima, sabe, lá na cabeça, onde tudo é seguro e morto.
até que a vida me deu uma rasteira e caí para dentro dela.

fidelidade dois

carregue as pessoas no coração, não nas costas;
é onde elas tem menos peso e maior importância.

6.4.10

plantão neonatal

a sensação de tocar numa vida pela primeira vez.
de repente ela escorrega de lá e cai nas suas mãos sujas de sangue. um caos de vida, cheia de vida virgem, e contra todas as expectativas, invés de você suja-la, ela te purifica.
a vida dela abençoa a sua.
assim, de repente, ela chega com toda confusão e você a segura para que ela não caia, você dá as boas vindas com um sorriso tranquilo, e na maior da ironias, é ela quem te conforta, com todo o seu barulho.
você se comove com o sentir daquela coisa viva se mexendo nas suas mãos, ela te sente antes mesmo de saber o que é sentir.
você segura aquela criatura pura antes que ela saiba de si, antes que ela aprenda a andar e se perca, antes que ela comece a pensar e não tenha mais paz, bem antes que o mundo a engula de volta para ele.
você ouve o primeiro choro, sente o coração bater pela primeira vez, aquece-a com as próprias mãos até que ela pare de chorar.
você faz o trabalho de deus na terra e depois volta para sua posição de humano;
vai deixa-la ir, porque faz parte, ela não é sua.
você teve direito ao sagrado momento da sua estreia de vida, mas isso não faz dela sua. ela vai para outros braços também, vai mamar e aprender a viver sem a sua ajuda, é o melhor que você pode fazer por ela, cuidar e deixar que ela se cuide.
vai ama-la de longe, por trás dos vidros, através das fotos, aquela vida que você apenas trouxe ao mundo, aquela vida que trouxe o mundo de volta para você. vai ama-la assim mesmo, ciente de que ela não é sua.
ela não é nem ela ainda, muito menos sua. mas você fica olhando para ela mesmo sabendo disso, mesmo sabendo que ela não tem idade para ser nada ainda, que ela é livre.
e o que sabe ela sobre liberdade?
nada, por enquanto.

mas um dia saberá, e talvez aí ela seja livre para ser sua.

4.4.10

com minhas próprias mãos

fui eu que fiz!

eu não pedi para nascer, mas nasci.
é, é injusto, mas não cabe a mais ninguém no mundo a responsabilidade da minha vida, ainda que ela nao tenha sido necessariamente desejada por mim. eu posso escolher não aceita-la e levar uma vida infeliz, culpar minha mãe que foi muito ausente, meu pai que me amou demais, minha opção sexual, meu sexo, minha cor, raça, altura, a chuva, o trânsito, o cachorro da vizinha, o professor chato que me reprovou, ou posso aceitar que essa dor é minha e cabe a mim mudá-la.
posso não saber o que quero também, e isso não é nenhum crime. o crime não está em ficar parado, apenas em acomodar-se e esperar que tudo mude com o tempo. alguém disse uma vez que a maior loucura da vida é fazer tudo igual, dia após dia, e esperar resultados diferentes. eu concordo plenamente. tenho muito medo de mudanças, mas sei que são necessárias quando viver torna-se pesado.
estar vivo é tão óbvio quanto respirar, mas viver requer uma grande responsabilidade. ou eu encaro a vida com todas as suas desigualdades, ou eu fico em casa reclamando que ela é injusta. revolucionário de sofá é que não falta por aí...
ainda que nada possa contra quem fui, ou até contra alguns aspectos de quem sou, muito posso por quem quero ser. e isso só eu posso. por mais que às vezes eu gostaria que alguém me carregasse no colo um pouquinho, sou eu que devo chegar lá com meus pés. viver dói, machuca, erramos muito tentando acertar e às vezes é difícil ter que aceitar tudo isso sozinha, saber que fui eu que fiz aquela pessoa chorar, saber que fui eu que decepcionei, machuquei, saber que a gente é capaz de tanto. mas somos, mesmo, capaz de tanto, e só sabemos disso depois que tentamos e vemos que não morreu, estamos vivos no final das contas impossíveis.
a gente tem que ser o que a gente é, sem passar por cima de ninguém, muito menos da gente. sofrer pelo outro não é poupação, não é nenhum ato heróico, é egoísmo, julgar que aquela pessoa não tem capacidade de suportar-se. cruzar os braços e dizer "não posso fazer nada" faz de nós inválidos para a vida, e talvez merecedores desse destino que não é o nosso. não acredito em pobres coitados, em vítimas do acaso, em castigo de deus. acredito apenas na capacidade do ser humano de se superar justamente quando se tinha por acabado, e não me contento com nada menos do que isso.
não estou dizendo que é fácil, porque não é. cada um tem sua batalha, cada vitória tem seu preço, cada dor tem seu peso.
não é fácil, repito,
mas não é impossível.

quero apenas poder olhar para vida e ser capaz de dizer "que gostoso, fui eu que fiz!"

aqui também

eu digo "calma" e deixo que você repita comigo "calma aqui, também", mas a gente não pode pedir calma com pressa.
não se sinta mal, eu também estou assustada
e por favor, sinta-se a vontade para repetir comigo, "calma".

só não faça silêncio.

feliz páscoa?

nunca consegui seguir muito bem esses roteiros de festas, datas comemorativas, horários.
sabe, por exemplo, ano novo é 31 de dezembro à meia noite. para mim o ano novo foi há duas semanas atrás quando finalmente senti alguma certa mudança na minha vida, quando pude sentir o sabor do novo.
não sei, não quero ser chata, mas tem algo de extremamente anti-natural em querer dar nome, data e hora para tudo.
data de nascimento é quando a gente nasce, quando a gente sai de dentro da barriga e chora pela primeira vez. mas quantas vezes já não nasci nessa vida? ano passado, por acaso, uma parte de mim nasceu ao perceber que o meu coração podia bater diferente. hoje mesmo, ao abraçar rosa chorando, senti uma parte de mim nascer comovida ao ver que ela chorou comigo. anotem isso na minha certidão de nascimento.
e aniversário? comemorar um ano que passou desde que outro se passou, desde que outro se passou, desde que você passou pelo mundo. hoje faz um ano que hoje aconteceu, ano passado. e o que tem de demais nisso? tenho que acordar mais velha e só. não me sinto com 20 anos, agora. talvez um outro dia mais florido da vida eu fale para alguém sorrindo "ai, como é bom ter 20 anos!", mas hoje não. hoje eu me daria uns 90 cansado, e eu respeito isso. não coloco números no meu sentir.
carnaval. carnaval pode ser o ano todo ou dia nenhum, ai depende muito também. tem ano que passei fantasiada, vestindo máscaras e sorrindo, e tem ano que fiquei em casa, sendo eu mesma. mas tudo isso é muito relativo; tem gente que vive num carnaval, tem gente que nunca se permitiu. tem gente que segue o calendário mesmo.
natal eu nem me aprofundo muito, quase todo sábado é natal na casa da minha avó. o mesmo se juntar da família, só que não tão bem vestidos e sem sessão de fotos ao redor da árvore. mas quase sempre é o mesmo papo natalino, menino jesus e espírito santo. dá um total de 52 natais por ano. é peru demais, para mim.
para mim, a única data que é certa mesmo é o dia de morrer. essa só vem uma vez, um pouquinho todo dia e não adianta correr. posso morrer no dia de um dos meus aniversários, ou no meio de um dos meus carnavais fora de época. ela tem vontade própria e por isso é a única data que respeito; pelo fato de ser tão pessoal à cada um de nós. aqui não adianta anotar na agenda, ela que escolhe o seu dia.

e a gente obedece.

feedback

aprendi uma coisa bem simples, mas de enorme utilidade;
tudo que a gente alimenta,
cresce.

safety distance

que distância é essa que nos permite ser feliz sem riscos?
que nos oferece todo o prazer com a máxima segurança?
safety distance, isso não existe, por mais que eu tente.

nunca soube ser amiga de passado, isso é qualidade minha. a gente se aproxima, tenta o jeito calmo, certo e maduro mas não dá, tem uma enorme urgência do outro que devora a presença, e quanto mais a gente mata essa ausência, mais a gente morre.
tem alguma coisa lá que me desequilibra, tem um certo cheiro que me faz selvagem de novo, e eu não sei lidar com isso. eu não sei lidar com nada disso, porque lá eu desaprendo.
sabe, eu poderia dizer que não, poderia fingir qualquer outra coisa e eu sei que fingiria muito bem, mas eu não quero. eu não quero mais fingir; para que? para quem?
prefiro admitir que não sei o que fazer, que aqui é mais um ponto fraco onde talvez eu perca muito, cada vez que ganhe.

mas vale a pena ganhar.

morno

na frente do bebedouro, copo vazio na mão, muita sede e uma só pergunta:
você quer gelada ou natural?


porque eu posso ser os dois.

3.4.10

rolar na grama

sabe quando somos pequenos e rolamos na grama?
hoje em dia não se faz mais, porque só coça, mas era bom rolar na grama com um coleguinha.
começava em pé, com pequenos empurrões, e ai caímos gargalhando e rolávamos. rolávamos como se aquela fosse a nossa única preocupação no mundo, como se tivéssemos nascido para fazer aquilo até que tudo coçasse.
bem, eu gostava de rolar na grama.
de repente eu já não sabia mais onde terminava minha mão e onde começava o cabelo do outro, onde começava minha mordida e onde terminava o grito do outro, e um puxava a blusa e o outro abaixava a calcinha e a gente ia brincando sem vergonha e sem pudor.
ai chegava sempre alguém, alguma mamãe, "parem de brigar!"
e para quem via de fora realmente parecia briga, para quem julgava pelas marcas parecia mordida, parecia puxão de cabelo, mas não era.
não era briga, era bom...

e coçava lá dentro!

é frágil

é frágil, acredite.
e tímida, também.
na verdade, é bem o meu oposto.

por baixo desse cabelo de tantas cores e por baixo de toda minha maria, eu sou bem frágil. eu tenho mais pontos fracos que portos seguros, saibam disso com carinho.
poucas são as pessoas que me senti a vontade para falar assim, como escrevo, e garanto que cada uma dessas poucas sabem quem são.
vocês ouviram minha alma, guardem com carinho.
provo sempre o sabor de minhas palavras antes que elas virem rodízio por aí e palpo sempre a estrada com as mãos antes de seguir por qualquer caminho.
eu não fui sempre assim, mas sou.
é bem cansativo, mas não tenham pena, só carinho.
tenho aqui em mim um coração que bate mais rápido que o normal, e tenho muito medo que um dia ele pare por alguma besteira. por isso hoje em dia busco sempre lugares seguros, onde me sinta a vontade para deixa-lo solto, pessoas que entendam a sua fragilidade para que saibam lidar com ele, uma vida que não me peça tanto esforço a ponto de poupar-me de viver.

apesar de tudo, essa menina tímida e frágil hoje se esconde atrás de uma enorme vontade de viver.

é assim

- qual a diferença entre amor e paixão?
- paixão vem de pathos, quer dizer doença em grego, e acaba em 15 meses.
- e o amor?
- o amor vem do latim, quer dizer amor mesmo, é uma coisa mais pessoal, não posso explicar como será para você, apenas como foi para mim.
- hum... e quando ele acaba?
- o amor não acaba, ele transforma.
- transforma o que?
- transforma-se, transforma-nos.
- em doença, também?
- não, isso também é muito pessoal, o amor se transforma naquilo que buscas no outro, em ti.
- e como saberei de tudo isso?
- ai está a grande diferença, não saberás.
- não?
- não, é assim; saberás quando não mais fizer sentido.
- e aí?
- aí já será tarde, sinta tudo que puder.

“the best way to get over a woman is to turn her into literature.”

minha mãe reza.
meu pai corre.
meu avô bebia.
algumas pessoas comem, outras fumam, outras choram.
eu escrevo.

não importa o que aconteça, não importa quantas vezes o mundo se acabe nem quantas vezes eu prenda o choro ou me decepcione com a vida, não importa quantas vezes eu me sinta feliz até não me sentir mais, quantas vezes eu ria até chorar, quantas vezes eu dance até a vida perder a graça, eu vou escrever, eu escrevo, é assim que eu choro, rio, falo comigo, me sinto leve.
escrever para mim é acender uma luz no meu escuro, é lutar em minha defesa, é tudo que sobrou em mim no final de um dia, tenha sido ele bom ou ruim.
eu não consigo simplesmente engolir as coisas que ficaram por ser, o tchau que não consegui dizer, o "me desculpe", o "você não tem esse direito", o "vamos com calma", o "tenho medo", o "me dá um beijo!"
eu chego em casa e todos eles ficam gritando na minha cabeça uma chance de serem, uma chancezinha por menor que seja de fazerem uma diferença no mundo, afinal quem sou eu para julgar o que é válido e o que merece ser guardado? tudo é válido, tudo faz a diferença, então dou-lhes uma segunda chance, escrevendo.
posso ser abandonada mil vezes, posso chegar no fundo do meu poço, e já cheguei só para encontrar uma folha de papel, ainda que eu escreva com sangue, lágrimas, batom;
escrever é tão seguro quanto a palavra de jesus cristo, quanto uma carteira de cigarros cheia, enquanto eu escrever, é seguro.

e isso ninguém me tira!

1.4.10

de novo não!

hoje me deu saudade de ter saudade.
acabei de voltar da terapia mais perdida do que achada, e de alguma forma sinto que meu tempo e dinheiro foram em vão. parece que os problemas vieram de lá, e não de cá.
ta tudo bem, maria, porque você não consegue aceitar isso?
pega esse copo d'água com todas as tempestades e bebe ele, num gole só.
eu to bem, será que é tão absurdo assim?
será que é tão surreal assim o fato de que eu possa estar bem por conta própria, tão estranha a idéia de que minha vida está fluindo?
mas e o medo, o medo da prova que eu não estudei, o medo de que amanhã eu acorde pesada de novo, o medo de que nada disso seja real e que tudo não passe de mais uma armadilha minha?
o medo de mim.
eu continuo colocando armadilhas, eu sei, eu as vejo e essa é a diferença.
eu agora as vejo, isso faz toda a diferença.
a grande mudança não passou de um abrir de olhos.

eu to bem já com medo de não estar mais, e isso é coisa conhecida.

eu também

"eu te amo" é uma palavra fácil de se dizer, ainda que não seja bem uma palavra só.
mas é assim que sai, às vezes, bem banal como se fosse mesmo uma palavra só.
"oi, euteamo, tudo bem?"
"euteamo, me passa o pão por favor."
"você lembrou de comprar o jornal? ah, e antes que esqueça, euteamo."
e acaba transformando-se numa palavra realmente só, vazia.

o ato em si é simples por uma razão, porque o amor é simples. dizer "eu te amo" é tão acessível que qualquer pessoa consegue, olhem os bêbados, por exemplo, até eles do alto da embriaguez conseguem articular um "eu te amo".
fico me perguntando se as coisas seriam assim se "eu te amo" fosse "anticonstitucionalissimamente", ou "oftalmotorrinolaringologista". dai talvez as pessoas parassem para pensar um pouco, antes de amar a todos tão futilmente.
mas seja lá quem inventou o se expressar, ele sabia que o segredo era esse, era saber ser simples sem atropelar o real significado do amor, sem fazer disso uma rotina, um detalhe da conversa, um simples enfeite na frase. dizer "eu te amo" é uma responsabilidade séria, é você dizer para alguém que essa pessoa agora tem a capacidade de mexer com você com o seu consentimento, e isso não é notícia para se dar assim, no meio de uma frase solta, na correria do trânsito.
devemos respirar fundo, pensar no que sentimos, e não sentir o que pensamos.

o mundo deveria calar-se sempre que alguém sussurrar um "eu te amo" sincero.

não, não, sim

meu pai conta que ele pediu três vezes minha mãe em namoro, antes dela aceitar.
ele pediu uma vez, ela disse não.
ele pediu outra vez, ela disse não.
ele tentou a terceira, ela disse sim.
por que ela disse sim na terceira? eu não sei, mas às vezes me pego pensando no que um terceiro não teria feito...
bem, a questão não é essa, o que aprendi é que
não importa quantos nãos levemos da vida, 50 nãos e um sim ainda é um sim, no final.
perseveremos!