30.6.14

A espera (ou "volte logo, Carolina")



Começa alguns instantes antes dela ir embora, do mesmo jeito que só passa após alguns longos minutos de volta à desejada presença. Entre uma costa e outra do tempo, fico à beira de um abismo quente, flutuando na espera, me desfazendo das horas com um fio vermelho latejando entre as pernas: basta ela puxar que vou. Mas, para isso, é preciso que esteja, e na demora, fico pensando;
Em ir lá fora tomar um sol para bronzear um pouco as têmporas, ganhar um ar mais vivo, ver se me livro de uma vez por todas dessa gripe que há semanas não passa. Preparo um suco de morango, lentamente fatiando a fruta como se de dentro dela fosse escorrer algo que não sua polpa, aguardando uma eterna surpresa que, eu sei, não haverá, pelo menos não agora. Delicadamente seguro na mão aquele pedaço vermelho de quase carne, tão pecadora quanto a maçã, com seus milhões de sementes ingerminadas, como se as frutas também pudessem ter o sexo, e dele o prazer, sem obrigação de reproduzir. E em seguida me dou conta; ela me faz querer morder aquele morango, assim como ela me faz querer ensaboar mil vezes as mesmas partes do corpo, apenas imaginando que minhas mãos não são as minhas, embora sejam, embora também aquela fruta não seja carne, eu sei, mas há algo de novo no vermelho que me deixa excitada. Não estou louca, veja bem, pelo menos não de uma forma que não seja socialmente aceita; estou apaixonada, e eu juro, as frutas estão inexplicavelmente doces ultimamente. 

A espera (ou "volte logo, Carolina")



Começa alguns instantes antes dela ir embora, do mesmo jeito que só passa após alguns longos minutos de volta à desejada presença. Entre uma costa e outra do tempo, fico à beira de um abismo quente, flutuando na espera, me desfazendo das horas com um fio vermelho latejando entre as pernas: basta ela puxar que vou. Mas, para isso, é preciso que esteja, e na demora, fico pensando;
Em ir lá fora tomar um sol para bronzear um pouco as têmporas, ganhar um ar mais vivo, ver se me livro de uma vez por todas dessa gripe que há semanas não passa. Preparo um suco de morango, lentamente fatiando a fruta como se de dentro dela fosse escorrer algo que não sua polpa, aguardando uma eterna surpresa que, eu sei, não haverá, pelo menos não agora. Delicadamente seguro na mão aquele pedaço vermelho de quase carne, tão pecadora quanto a maçã, com seus milhões de sementes ingerminadas, como se as frutas também pudessem ter o sexo, e dele o prazer, sem obrigação de reproduzir. E em seguida me dou conta; ela me faz querer morder aquele morango, assim como ela me faz querer ensaboar mil vezes as mesmas partes do corpo, apenas imaginando que minhas mãos não são as minhas, embora sejam, embora também aquela fruta não seja carne, eu sei, mas há algo de novo no vermelho que me deixa excitada. Não estou louca, veja bem, pelo menos não de uma forma que não seja socialmente aceita; estou apaixonada, e eu juro, as frutas estão inexplicavelmente doces ultimamente. 

24.6.14

ex-vida a dois

reduziram os talheres na hora de por a mesa. sobrou comida na panela por quatro dias, então resolveu diminuir as porções pela metade. demorou para entender que agora cozinhava para um só, e quando o fez, perdeu a fome. a louça acumulava na pia, o mais moderno monumento da decadência, da depressão, da preguiça. antes era obrigado a limpar, antes alguém ia chegar, tinha plateia no fim do dia para aquela tarefa tão desapercebida. mas agora, agora nem o banho tomava, sentava na cadeira o dia inteiro encarando o banheiro e temendo o chuveiro como um gato selvagem, sabendo que ali dentro daquele box choveria toda dúzia de pensamentos que os banhos resgatam. quando a água escorresse, talvez permitiria uma ou outra lágrima cair disfarçada e então seria o fim; começaria a viver aquela partida que até então ignorava estaticamente, adormecido e seguro na sua negação. 

triste fim

mais um quase em meio a tanta certeza inútil; de que adianta saber que nada vale a pena? não, abrir um olho, depois o outro, por pura mecânica pois se fosse escolha, passava o dia me escondendo do mundo num sonho eterno; não se pode atacar quem dorme, simples assim. então estou triste, mas vai passar do mesmo jeito que você passou, como uma nuvem carregada e necessária; deus sabe o que faz. algo há de brotar.

trem fantasma

desenharam um círculo no chão e ataram meus pés aos trilhos.

beleza

I'm ok if beauty won't take me; I'll take all of its forms.

beleza

I'm ok if beauty won't take me; I'll take all of its forms.

23.6.14

é importante alimentar um animal morto, pois um dia ele volta com fome.

nãobodies

ele não sabia dizer não, era casal de outro que também não sabia dizer não, e apesar de muito amor, amor mesmo, conheciam-se há anos e a haviam passado por muitas juntos, antes mesmo de estarem juntos nesse sentido. mas quando foi necessária uma declaração oficial de que morariam juntos, após anos afunilando e aperfeiçoando e esculpindo a palavra, não foi o sim que se fez mais presente, mas o fato de que ambos não sabiam dizer não. 
então mudaram-se. 
ele tinha 26 anos de vida muito mais sofrida do que poderia ter sido, e não me refiro a sofrimentos lastimáveis, apenas sofrimentos banais de um cotidiano inseguro e cercado de situações que aguardavam apenas um sim ou não, no caso dele, um sim pesado, que muitas vezes o diminuía e o negava completamente, justo aquela palavra positiva.


mais uma ideia do chuveiro que ficou melhor na minha cabeça

não há como explicar a partida, de tão súbita que chega, ou que vai. mas há o medo que cerca o momento, como uma inútil fumaça que paira sobre a chama do inacontecido. 

não tenho medo da solidão dos outros, temo apenas a minha, de acordar de manhã e não estar lá. olhar-me nos inúmeros reflexos que se apresentam no dia, nos reflexos das espelharias, das vidraças das casas, sem intenção de ver o que exibe, apenas para perceber que lá não está mais: um susto. então, neste exato momento, sinto-me inabitável e, logo, sou tomada por uma legião de sensações que cercavam esse momento, aguardando o ultimo bater dos olhos que antecederia o primeiro olhar vazio. perco-me tão distante que sinto meus braços mais longos, delírio que meu corpo se estendeu, de que alongaram minha pernas, aumentado o tempo necessário entre estica-las e tocar o chão, ou quando os dedos lá na frente dos olhos, meu olhar poderia estar cruzando dois continentes entre eles, até minha mão lá no final, meus dedos tão além, atiçados de palavras. escrevem um cartão postal me lembrando das obrigações de amanha, mas o tempo que demorará para chegar até minhas verdadeiras mais, eu não sei, pode ser meses ou anos. enquanto o estômago se definha, a luz dos vasos se estreita e o calibre da traqueia diminui, diminui, diminui, chegando o ponto onde o ar passa rasgando, possesso de raiva, e eu cheia de farpas. ai, as farpas do carinho, eu me lembro bem: foi numa dessas que me perdi e não soube voltar. 

não podemos ser, pois

a sensação de plenitude que você me traz é de certa forma incompatível com a vida, de um modo que ao teu lado nada mais desejo, nada mais me falta, me encolho num útero imaginário e definho por falta de fome.
desenharam um círculo no chão e ataram meus pés aos trilhos.

22.6.14

si no fueramos tu y yo

as vezes é difícil aceitar que te digam algo tão bonito.

como

me pergunto como existia antes de você, mas não me lembro. não lembro da vida sem tua presença como parâmetro para tudo, como se antes de ti não houvesse nada. 

20.6.14

neguinha

minha neguinha se espalhou por mim, sentou no meu peito, segurou minha mao, e eu comecei a escrever as ideias dela no meu dedo, comecei a ter medo dos cheiros

17.6.14

chamamos família

saímos de lá e ela estava arrasada. colocou a blusa cobrindo o rosto, afivelou o cinto e pois-se a chorar. "como pode po, tanta ganância? ta certo, dinheiro é bom msm e eu quero, mas pra que tanto? não chega uma hora que basta não?" 

ela tava arrasada com a realidade, que chegou num tiro de borracha na cara dela, "como pode po?" cresceu ouvindo que os bons são reconhecidos, que os maus vão pra cadeia, mas ali naquele meio de gente de verdade, não cabia essa delação. aqui todo mundo era bom e ruim, eram completos. 

maria coloque uma sandália pra andar em casa e lave seu pé quando for pra cama, maria fecha a janela que os vizinhos estão lhe vendo, maria vá trocar essa roupa horrorosa, tire isto da minha frente, e por aí vai... essa ditadura eu abraçava tanto e chamava de família!

você nunca duvidava de mim.

não sei quando foi exatamente que comecei a perceber esses momentos cínicos diante da bondade, como se um riso sarcástico automaticamente soasse na minha cabeça sempre que alguém era ingênuo ou bom comigo. parecia olha-lo de um andar superior dizendo "esse ta verde, vai levar da vida ainda...". tem uma certa virgindade da mente que, uma vez perdida, duvida-se de tudo.

na lata

acendi o terceiro cigarro da noite logo após o fim do episódio. fui até o balde de lixo e catei a lata de novo, fiz os furos com abridor de lata e coloquei o prens. em seguida dei um trago do cigarro, exalei e finalmente traguei o prensado. tem algo de tão prazeroso em esperar ansiosamente o que se pode ter primeiro.

meu peito

embrulharam meu peito em papel celofane vermelho, podia ouvir o barulho dos meus ossos quando torciam o papel, e eu perguntava "o que foi que eu fiz?" e "qual seu nome?" e tudo que ele me dizia era "você sabe, se não sabe, ta apanhando por isso"

saudade

o que eu sinto? bem, no momento não sinto muita coisa, pra ser bem sincera. na verdade, sinto um certo pensamento. como a vontade de ter alguém para contar aqueles assuntos que não são tão partilháveis a uma pessoa estranha. estranha como alguém que não viveu o momento, apenas isso. como quando a mãe de uma amiga de infância teve câncer, e eu não podia contar pra ninguém, e a amizade não sobreviveu até os dias de hoje, embora a tristeza tenha se feito presente mesmo assim. sinto de falta de você, onde tudo se encerrava no momento em que te contava, mesmo na tendo vivido, você entendia e, por saber que entendias, os sentimentos morriam em mim, e eu podia viver.

14.6.14

nossa

a mosca morta não é mosca
nem morta

então num olhar você entende,
e eu me deixo boiar na tua sopa
de aspargos.

13.6.14

e o que sabes tu de ti?

o que você sabe de mim? além do fato de minhas costelas serem estranhamente tortas assim. não sabe nada, menina. 
meu coração chagasico cresceu de tanto insistir em amar a cada uma como se fosse a primeira, fazendo mais espaço ao redor das antigas histórias, crescendo ao lado de uma ferida aberta, de algumas já fibrosadas, sem distinção e, acima de tudo, sem tempo pra pensar em tudo aquilo que fazia. sim, esse é o meu peito, nasceu desprovido de qualquer relação neurohormonal direta com meu cérebro, é louca essa porra!

essa eu salvei.


11.6.14

amargolis

você tem o poder dos meus pais
de me colocar num canto de mim mesma
reduzida a quase nada de mim
olhando tudo por dentro e achando tão feio tudo que vejo
quase como se não soubesse que aquilo
era eu.

9.6.14

carol

te vejo de olhos fechados
então eu sei
pelo cheiro que chega
instantes antes da tua presença:
é mulher.

então me beijas
e num segundo, te tenho em meus lábios
como se fossem braços
a abraçar o meu sorriso
e quando bem intima e perdida,
eu sei:
é a minha.

7.6.14

nata

E o Amor que um dia foi meu e teu, agora é dela
E o Amor que Um dia te dei e dou, ainda é teu
E ela, teu novo amor
Apenas chamas
Simplesmente 
De amor

quando for tarde,

um dia abordarei um estranho na rua mostrando uma foto minha ainda jovem, só pra saber o que ele acha daquela pessoa, se era bonita, se era estranha, se era feliz. 

nata, sempre direta

o que doi é ver que ta tudo igual, mas que a única diferença é você.

amor

apelidos carinhosos machucam, quando não são mais seus.
seis vezes contei nos dedos
as sete vezes que chamasse amor
(porque duas foram na mesma frase)
enquanto meus olhos desviavam o pensamento
e o ouvido fingia não saber tua voz,
meu coração te encarava com olhos de sempre.

(o que machuca mesmo é aquela boca que um dia foi tao tua, dizendo palavras de amor a um ouvido que ja não é o meu)

amor

apelidos carinhosos machucam, quando não são mais seus.
seis vezes contei nos dedos
as sete vezes que chamasse amor
(porque duas foram na mesma frase)
enquanto meu coração olhava e os olhos desviavam o pensamento
amor, não sou mais eu.

me chame

ela me chamava de be.

e tu chamava ela de que? de cê?

hahahahahahah 

hahahahahahahaha piada

eu chamava ela de a.

de a (te que enfim encontrei você).

as mariAlAs

andrea

mira
mas me erra
qual medo de tua mão
atrás desse gatilho?

teus pés passam
e é tudo que tenho coragem
de olhar


ver você

pés de nuvem
e um peito de
chumbo
por que não me escuta
quando respiro?


say something

im giving up on you.

5.6.14

rapsódia boêmia

me diga qual é o passarinho 
que com seu ninho nas costas
voa
numa boa
?

(não existe na natureza)

ainda assim, o homem insiste que é plausível, de tempos em tempos, escolher um membro de sua família e vesti-lo com as paredes de casa. temos aqui esse jovem rapaz, um dos chamados "escolhidos", para responder algumas perguntas:

eu: se você pudesse definir em uma palavra o que ser escolhido significa pra você, qual seria?
ele: castrado.
eu: quais são alguns problemas do dia a dia?
ele: quando tenho tosse é um problema, parece um pequeno terremoto... ah! e quando choro também, sempre acabo inundando algum cômodo, geralmente a sala. mas enfim, nada demais

(na vida quem perde o telhado, em troca recebe as estrelas).

ele: sim, já pensei em me matar claro, quase todo dia, e o que me impede no final das contas é que eu nunca resolvo qual das duas eu mato; podia morrer tanto de velhice quanto de juventude.

doeres

não era nada em especial que buscava, apenas qualquer válvula de escape, mesmo que fosse aquela ridícula dor auto-infligida, psicosádica, que agora substituíra por algo muito mais físico, levando na pele a responsabilidade de sentir a tão somatizada dor. se houvesse sangrado, deus sabe a cor que sairia daquele sangue, todo sujo de mentira e loucura; mas não sangrou, não dessa vez, dessa vez foi uma tatuagem leve, foi um
dois
beijinhos do primeiro encontro. ai como queria vencer essa noite em claro, só para me poupar o drama diário de acordar com um susto diante da minha existência, logo na primeira fresta de luz, fora de foco,  p e i !  a realidade chove na sua cara e você ainda nem terminou de abrir os olhos. 

acontece

Esquece o nosso amor, vê se esquece.
Porque tudo no mundo acontece
E acontece que eu já não sei mais amar.
Vai chorar, vai sofrer, e você não merece,
Mas isso acontece.
Acontece que o meu coração ficou frio
E o nosso ninho de amor está vazio.
Se eu ainda pudesse fingir que te amo,
Ah, se eu pudesse
Mas não quero, não devo fazê-lo,
Isso não acontece.