16.4.17

tecer

Tecemos as noites de retalhos tão pequenos
Tecemos acordados ou dormindo com a respiração incansável
Acon
Tecemos os dias,
Todos os nossos e os alheios e os que jamais veremos,
Nessa noite de hoje,
Tao insignificante e necessária

Assim somos, cascas amassadas,
Sucos fluindo das agulhas metálicas
Empu
tecendo a trama da vida

Se eu cair, eu volto logo.

15.4.17

deixe-me passar

À multidão que é um rosto só,
Pelas cascas e cernes da modernidade
Sou uma mordida na sua tela
Que não transpirar os poros quebrados
O plasma distraído, acorda!
Deixe-me passar
Estou me curando

Pela solidão radioativa
Encharca a gente de cansaço
E assédios diários no corpo da mulher
Entre os espelhos histéricos
Dando rosto ao meu grito
Ao meu semblante indignado
Deixe-me passar
Está pesando

Entre os recifes da cidade,
Escorrem medos, caos e carne,
E eu levando contra a correnteza
Uma fatia de bolo
Do aniversário do futuro
Que plantei para espantar os furos
No concreto de quem

Quer passar também 

deixe-me passar

À multidão que é um rosto só,
Pelas cascas e cernes da natureza
Transpirar os poros quebrados
Deixe-me passar
Estou me curando

Através do tempo a conta-gotas,
Pela solidão radioativa
Entre os espelhos histéricos,
Deixe-me passar
Está pesando muito

Entre os recifes da cidade,
De medos, caos e carne,
Estou levando uma fatia de bolo
Do aniversário do futuro
Que plantei para espantar 
Os furos no concreto de quem

Quer passar também 

3.4.17

solidão

jantávamos sempre juntos, hoje a comida sobra na panela debochando da solidão.

num jantar de pazes, quem traz a fome?

casa

já mudamos o endereço e ele nos acha, como uma mulher desesperada procurando uma menina.
revistamos as bagagens de roupas dobradas e malas de vinte e sete chaves, ele nos acha.

a mala, a mulher, a menina e o medo: eu esqueci de tirá-los do couro.

então eu lembro mais uma vez

que eu não vi (e aconteceu exatamente por isso).

1o de abril

o dia da mentira, o dia que me tira a sanidade.

mentira
me tira
daqui.

pai

cada momento é uma semente que se planta na minha memória e brota três noites depois, quando todo resto já passou, todo o resto exceto pela imagem das tuas mãos pressionando a garganta que me ensinou a falar, chacoalhando o seio do meu primeiro alimento.

por que me prende tanto o que eu não vi? se eu estivesse presente, teria evitado?
pai, tuas mãos já me bateram tanto, mas é a violência do estranho evitável que me agride. e se eu estivesse lá, aqui?

é quando olho ao redor e todos parecem ninguém, pois é exatamente para ninguém que se conta o que não aconteceu. mas aconteceu, bem aqui onde eu durmo, bem naquela que foi minha cama por nove meses ansiosos.

a violência não assusta mais, eu também já fui mão; só não diga inevitável.

tuas palmas ecoam na minha lembrança o som de "pai, pai, pai" contra a minha mãe.

1

a dor não dói -
ela acorda, uiva rouca ao meio dia,
desorienta,
toma um copo d'agua como se fosse remédio
para acalmar o que não é e o que não deixa de ser.


a dor é mais uma falta -
de dor mesmo? -
que invoca a cárie, a artrite, a lembrança,
e essas, essas sabem ferir
a carne já amaciada
pela insistência letal
dos dias convalescentes.


é sempre quase e sempre nunca conveniente,
essa mágoa que não desatina num finalmente
apenas corrói o estômago
já tão revestido de papel de parede, insônia e
tinta azul marinho.