3.6.20

aldeia

de que adianta me colocar em palavras?
na minha cabeça elas não formam ponte,
esticam os dedos na direção de quem grita, o arco dos braços
(são como tentáculos sem um corpo)
incham, encharcados de tentativas, uma turgidez palpitante do pescoço esguio;
são engilhadas, ensopadas, embebidas, afundadas, atoladas, banhadas, molhadas, infundidas,
(para ser dito em uma só respiração)
existem tanto e tão nada são,
de tão insignificantes passam despercebidas,
sem perceber o disfarce mortal da ignorância
morrem pelos olhos
que se voltam
apenas para o chão que desaba.

sou uma mulher que não
eu não quero ter que me convencer de que
sou a mulher salva pelos livros das coisas que eu nunca escrevi
a mulher resgatada pelos olhares de fotografias que nunca imaginei
a mulher vestida por pele apropriada
a mulher camuflada pelas palavras, oportunidades perdidas de um silêncio mais sábio
de um silêncio menos complacente
menos morto:
o silêncio altruísta de quem permite a palavra à mão que deseja segurar
com interrupção de algo ao menos
corajoso.

eu sou a mulher
sentada na ponta da prata do fio da navalha
a pegada embaixo da onda
feito um sonho disperso pelo barulho do assentar de paralelepípedos
em estradas que vejo, sem rumo.

eu sou a mulher que sim
que revisa a palavra antes de atingir as  margens de qualquer ouvido,
carregada com vinte e nove granadas aliadas ao hálito do que foi dito,
sem pena
e às torrentes de frases que seguram o pino que nunca sequer desenvolveram
dentre as outras tantas
tantas
que não contive.

(o desejo furtivo de invadir o inabitável
a fragilidade das lâmpadas carregadas no convés)

eu sou
eu sou a mulher de vidro
e eu sou o vidro no útero da mulher.

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