27.10.20

tanto

 

comprometer-se ao amor é comparecer aos cem funerais da pessoa que amamos 

daquela que não se é mais

da quem se está muito cansado para ser

da que jamais vestiu a roupa que você criou sobre o que ela seria

recolher a pele derramada e alimentar os ossos

para que cresça o encontro de quem está perdido com quem tão desesperadamente gostaríamos que encontrasse

por um instante, a faísca mostra um olho 

e damos graças ao escuro por acolher o medo de quem ainda não encontrou sua forma definitiva, 

aceitando o próximo instante e sua transfiguração 


(estourar uma espinha no espelho, limpar a mão na barra da camiseta e retornar para cama,

cochichando ao travesseiro que amanhã se acordará mais uma possibilidade)


e também, sobre falar dentro da cabeça com tons baixos, falar manso para o golpe

escutar a ponta da faca 

reler a cicatriz em outra língua, olhar a pele como quem lê um poema 

um poema que viaja costurando cada instante em uma história 





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