11.4.14

sobre sapos e peixes

boa tarde meus amigos,


aconteceu algo hoje que mexeu bastante comigo e gostaria de compartilhar com vocês. posso não ser a pessoa mais interessada do mundo pela medicina dos livros, mas a medicina humana, o contato, o apego e o respeito com meus pacientes é algo que sempre prezo. acho que a enorme maioria aqui também...


me senti desrespeitada hoje ao entrar na enfermaria de cirurgia e encontrar minha paciente em outro leito, sob outros cuidados. minha paciente que retornou ontem, pela terceira vez, para conseguir sua tão desejada cirurgia. ela que todas as três vezes aceitou quando alguém olhou-a e disse "me desculpe, hoje não vai dar, não temos material". mas ela voltava contente e cheia de esperança, ainda que "faltasse campo"... 


eis então que me dirijo ao residente que me informa que o leito 08 estava reservado hoje para um "peixe do chefe". não, calma; não era apenas o leito 08, mas o leito 09 também, pois era necessária uma enfermaria inteira, após extensa "desintoxicação" do local, para acolher aquele singelo paciente, tão diferente dos outros. lembro de ter estudado doenças e suas diversas gravidades, mas não lembro de ter lido em lugar algum sobre pacientes diferentes de pacientes. ainda assim, vesti a bata e fui lá ver... 


confesso que tudo que senti ao atender o "peixe" foi nojo, e embora a culpa não fosse dele, simplesmente  não consegui engolir a situação (ainda que goste de peixe hahaha), não houve o famoso rapport que aprendemos na faculdade, não me senti confortável ao dar bom dia. lembrava constantemente das inúmeras altas que havia dado naquela semana, das cirurgias abortadas, da cara doente dos doentes me perguntando "mas Dra, não tem um jeitinho? quanto custa esse tal de campo?". fica difícil olhar na cara do paciente da enfermaria ao lado sem se sentir constrangida. fica difícil engolir um delicioso peixe desse após tantos sapos.


fim de papo: nosso peixe recebeu atendimento "patrão" ouro; teve constantemente a presença de todas as gerações de sua família, dentre os quais estavam pai, mãe, madrinha, avó, avô (aos quais fui formalmente apresentada, pois eram em sua grande maioria médicos); teve seus exames solicitados e realizados prontamente, incluindo uma besteirinha de uma AngioTC e um USG do melhor especialista do serviço (preciso mencionar esse nome?); foi "visitado" por médicos de diversas especialidades em sua enfermaria de luxo; e, pasmem, recebeu um kit completo com roupa de bloco e campo! era o milagre dos peixes!! por outro lado eu, ao entrar lá pra dar um feedback pra turma do aquário, saía com cinco informações diferentes sobre o paciente que supostamente estava acompanhando.  


não pretendo fazer nada a respeito, eu não posso fazer nada a respeito. queria so expressar minha indignação, minha tristeza e minha decepção, ainda que ingênua, com meu dia de hoje. espero que saibamos ser generosos no futuro, mas também justos. agora vou voltar ao meu trabalho com essa espinha entalada na garganta.


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