2.8.14

ao redor tudo passa

foi por ter medo que resolvi ver, para ver se deveria de fato continuar a te-lo ou se morreria o medo quando eu resolvesse olhá-lo de frente: deu-se o seguinte, meu amor, você não me assusta mais, os pais com seus discursos moralistas e autoritários não me assustam mais, a vida na sua indelicada pressa não me assusta mais, as noites foscas não me metem medo; estou aqui no mesmo lugar em que você estava quando te vi, lá de longe, e tive o último ataque de pânico. estou aqui sem saber se pisei em alguma das tuas pisadas, sei que estas feliz, até sei onde estais de fato, e isso não me assusta. ultimamente me tornei uma pessoa distante e tão minha que não poupo mais a mim mesma e por isso assusto; engraçado ver meu pai com medo de mim, por uma vez na vida, escolhendo o tom para perguntar se levarei maconha para viagem, e eu dona da resposta e a resposta pode ser a que eu quiser, como é nova essa sensação tirana, a resposta é minha, ainda que não seja a verdade, ele se treme de medo porque ele apenas aguarda a ordem, a palavra, e eu escolho o que será dito. sim, estou distante de tudo, e à distância tudo é mais tolerável, à distância as pessoas se apreciam em fotografias onde, de tão distantes o olhar, nem presentes estão. mas eu estou presente em todo canto, com um desejo louco, e não faço uso da palavra por licença poética não, faço por justiça, desejo louquíssimo de remar a ré desse corpo e afastar-me cada vez mais da costa, sem direção ao oposto, nem a nada: eu quero a apatia dos dias em que ninguém foi a rua, quero ser a exata folha de um dia qualquer que de tão inútil, permaneceu afixado ao calendário, não valeu a pena o trabalho de esperar o próximo pois o próximo já era e eu desaconteci em becos vazios, chuva e câmera lenta.

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