7.10.15

carta para mim mesma

você exige demais da vida. vive escrava dos seus pensamentos como um andarilho é preso às ruas: acha que eles te trarão glória, fama, sucesso. acha que chegara onde deus sabe onde. a menina, menina mesmo, sem identidade de maior e sem sexualidade definida; você não sabe o que quer, a não ser olhos. quando te falta a atenção, pensa demais e logo vem à tona teu problema, que é nenhum, na verdade, e muitos para ti. 
afaste-se dos outros ainda que tudo que desejas seja o contrário, quando nas tuas crises de angústia te faltar ser vista. afaste-se para lembrar de fato o que és: nada. nenhum impulso brota tão intensamente quanto aqueles que surgem diante dos outros. não te aceites, menina. te aceites, e serás escrava sempre desse eterno arrependimento que é tua vida. não serás nada, nada além de um espelho carente de reflexo. o mundo lá fora não te toca, teus pés no chão não sentem o chão frio, mas importam-se apenas com as pegadas que deixastes. queres ser memorável, não é mesmo? como é pequena, a menina. como te esmaga essa ideia de grandeza que jamais brota, sempre a semente do quase e nunca. 
nesses dias que passam, tua fidelidade foi pouca a ti mesma. o que transcorreu foi fruto de que, afinal? de vontades ingênuas ou de puro medo, o medo que vejam de fato o quão raso é o teu brilho? mais uma vez te digo e não falo nada, mas como essa carta é apenas nossa, creio que entendas as entrelinhas, afinal, é nelas que passamos grande parte do nosso intolerável tempo sozinhas. a vida te distrai e distraindo-se, voltas a encenar para quem quer que seja. sim, sei o que pensas, mas preciso dizê-lo; acabou mais um ato. fuga para o norte.
no momento, não sabemos de nada. de nada mesmo. se recorremos ao passado, sabemos que muito do que vem à tona na superfície da mente é fruto de tuas armadilhas mentais. por exemplo, há tempos que falo e nada digo. 
você tem medo de você, você tem medo de terminar sozinha em algum calabouço da sua vida, ou etérea em mais um castelo que fantasiamos juntas e que juntas destruiremos. por que pensar? eu não sei. 
livre-se dos outros e deixe que sigam sem tuas interferências infantis, desejando ser sempre esse centro sem eixo. você vê a estrada pronta antes mesmo de calçar os sapatos e ainda ousa dizer que foi tudo acidente? não, com você não existe o espontâneo; é tudo planejado e revisado e revivido. como te dói ser assim, eu sei, mas tua dor não deve nunca justificar as atrocidades que fizestes. a mão cansada não justifica a queda da espada sobre a cabeça dos inocentes. e mais uma vez, não dizemos nada. 
tua mente se fecha no instante em que a consciência se acende, mostrando por dentro todo o vazio que existe e cada canto inabitado de ti é uma sombra do desejo de ser vista. criamos tantas cortinas, criamos tantos empecilhos, somos bruxas, eu e você, só eu. o desejo de ser profunda é a prova do quanto és rasa. 
volto a te escrever quando não estivermos mais olhando, quando conseguir afastar esse vigia incansável que não nos permite compartilhar tudo que sabemos. 

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