30.3.10

o meu preço

não há razão para tanta urgência, para todo esse agora, para tanto tentar ser.
quem me acordou dizendo "agora, seja!"? fui eu? ou foram os outros?

a vida deve flutuar por cima dos dias como uma mão que abençoa, com a sutileza de um deslizar de dedos pelos cabelos que adormecem. se já não mais adormecemos, não sonhamos. eu gosto dessa embriaguez sóbria que me ronda, sem urgência, sem cobrança de nada, sem peso.
me desabotoei de toda aquela armadura de vida estrangeira e me vi nua, solta, solta demais até, confesso... mas foi necessário para me olhar, e me olhei nos olhos e me disse "voe, aqui não é você, vai pousar na tua alma." e eu fui voando num vôo cansado de asas pesadas, de asas pesadas de saudade, deixando para trás a segurança de um ninho, o conforto de um abraço, o peso de um corpo morto.
peguei um par de asas inexperientes e segui sozinha, bem sozinha mesmo, tão só que esqueci de mim e só aí pude me ouvir.

esse foi o meu preço.
nunca estará pago, mas agora eu sei quanto sou.

eu não pousei ainda, eu sei, mas sinto o cheiro de terra, sinto que essas asas já pedem casa, já deram o que tinham que dar. tanta liberdade para perder-me já foi suficiente para encontrar a coisa sem nome, o sentimento sem nome, só alma, a minha. agora sei que foi preciso, que foi necessária essa travessia de céus, e que o céu pode ser casa também, que o céu agora é parte de mim e será para sempre.
que todo pássaro de verdade tem como característica esse bater de asas de si, de si para o céu e de volta para novas asas.
sem pressa, sem precisão, vou pousar onde eu cair.
porque queda também é vôo.

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