22.3.10

du(elos) de anzóis

chega de iscas cruas, olhemos ao redor, o que vemos?
iscas, não é mesmo? e por baixo das iscas, suponho que há anzóis, correto?
vocês estão me acompanhando?
então agora escolham uma isca e mordam, sem medo. vai doer, mas mordam, garanto que do outro lado da dor existe alguém que vai te puxar para fora daqui e respirarás bem melhor.
vão em frente, mordam, deixem que entre na carne e depois deixem que a carne entre em vocês e alimentem-se o máximo que puderem, em breve seremos todos autófagos e felizes de nós mesmos.
deliciem a dor, mordam o momento e roam até o talo do anzol, e quando sentirem o puxão
saberão.
saberão tantas coisas que essas palavras não poderão molhar, saberão na hora crua do puxão que aquele anzol agora faz parte de vocês e ai de quem achar feio, ai de quem reclamar das fisgadas constantes, sintam o anzol cru, esqueçam a isca, é só o disfarce, o real agora está em suas mãos, em suas bocas, fisguem-no, puxem de volta, relutem em vão, mas relutem por desencargo de consciência pois em muito breve estarão desnorteados e precisarão de consolo.
"eu lutei até o fim!"
 e derrotadinhos, iremos todos em direções diferentes, para mãos diferentes, mãos cuidadosas ou não, que tirarão os anzóis ou não, que nos colocarão num aquário de abraços ou não, que nos devolverá ao mar ou não. 
estaremos todos vulneráveis pelo cansaço (e aqui não tem "ou não", é coisa certa) e, com pequenos pés atrás, aprenderemos a nos doar àquelas mãos, a comer naquelas mãos.
e um dia enxergarás além das mãos, além da carne e do osso, enxergarás o anzol que habita aquela mão e te identificarás nas dores daquela mão; ela também ansiava por ti e ela também doeu dias de varas secas, de barriga vazia, na ansiedade da espera vazia, até que ela sentiu o puxão de alguma coisa que hesitava ser sua, e sentiu a carne apertar contra a vara, e sentiu o incomodo da linha que rasgava a pele, e sentiu a dor do anzol quando tentou resgatar-te.
você agora nada confortável no sangue daquela mão e o teu sal cura as feridas dela.
a emoção agora será visceral e é muito importante que ocorra essa identificação mútua, se não teu sal em excesso secará demais o sangue e te afogarás no seco ou, não farás força o suficiente para curá-la e estarás nadando em sangue não estancado, e a mão morrerá.
uma vez encontrado o equilíbrio, trate de amá-la com tudo que ela te deu até que não haja mais nada a ser salvo, até que não haja mais nada a ser respirado, até que sejam felizes para sempre,
até que venha uma onda e vire o barco e voltaremos todos para aqui.

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