14.3.10

oferenda

acabei de ler clarice e invejá-la, só para desanimar de escrever. 
não sei mais como as minhas palavras podem curar feridas tão traiçoeiras que fecharam-se sobre outros encantos
nem
sei o que mais posso fazer por ninguém se ela já esculpiu tão perfeita biosfera emocional,
se ela já nadou nas águas em que me afogo; o caos em que vivo não molhou nem as barras de seus olhos.
e domesticou as palavras desembestadas sem provar-se sobrenatural; sabia muito bem as dificuldades que se encontra no caminho do ser simples.
e criou sentires e quereres apenas sentindo e querendo; não querendo senti-los.
visto que sequei à cada palavra lida percebendo que ela já havia roubado minhas falas, 
visto que ela roubou-me de mim com tanta sutileza que ao ler seus pensamentos
os meus calaram-se conformados
"que bom, alguém aqui nos entende"
e acharam que era voz minha, a dela,
visto tudo que jamais enxergarei
eu já me dou por vivida 
por tabela.

diante de tal realidade, diante do fracasso de sua dona, 
ou de sua escrava, 
nunca sei ao certo meu papel nesse jogo que jogam meus pensamentos,
enxergo um homem que se mata por migalhas
e encontra outro que alimenta melhor com suas fezes,
doente que descobre exames trocados
onde o seu câncer agora é do outro e para ele
sobrou apenas
anemia.

não se ofenda, clarice
essa migalha espiritual é minha maior oferenda.

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